"Estamos na hora de construir alguma
coisa mais sólida, não é partido, não é entidade, é um movimento. O que
de melhor fizemos foram as Diretas Já. Mas agora precisamos criar um
movimento para restabelecer a democracia neste país", disse o
ex-presidente Lula ontem ao visitar a escola do MST invadida pela
polícia. O desafio está mesmo colocado pela realidade, restando saber
se o conjunto da esquerda será capaz desta unidade. E, mais ainda, se
terá abertura para incorporar nesta frente não apenas partidos e
movimentos de esquerda, mas também de centro-esquerda, em nome da
plenitude democrática arranhada e da restauração do estado social que
vem sendo desmontando.
Se a frente pelas diretas-já
em 1984 foi o melhor exemplo do que foi feito em matéria de unidade,
vale recordar que ela foi de centro-esquerda, indo do PMDB ao PT, quando
ainda inexistiam partidos que nasceram de dissidências petistas, como
Rede, PSOL e PSTU. E também que o objetivo, naquele momento da
transição, no ocaso da ditadura, era programático e não eleitoral. O
que se buscava era aprovar o restabelecimento das eleições presidenciais
diretas, encurtando a "distensão controlada", e não a vitória numa
eleição.
Lula tem clareza quanto a
isso quando diz que o objetivo deve ser "restabelecer a democracia neste
pais". Se a frente começar a ser tentada com vistas a 2018, não haverá
unidade. O PT ou setores do partido irão insistir na candidatura de
Lula, se ele puder ser candidato, o PDT já diz que a candidatura de Ciro
é inegociável, e os outros poderão não apoiar nem uma nem outra. Logo, a
frente de esquerda é urgente mas não pode ser eleitoral, devendo se
concentrar no combate às medidas que ameaçam a plenitude democrática e o
estado de bem estar social, como a PEC 55. Neste sentido, a oposição no
Senado já se exercita como frente quando atua em conjunto para tentar
atenuar os danos da PEC. E nesta unidade, entram o senador peemedebista
Roberto Requião, os petistas e os senadores da Rede e do PSOL, e também
do PSB.
Alguém dirá que a frente deve
ser apenas de partidos de esquerda porque todo o resto já foi cooptado
pelo bloco PSDB-Temer. Não é verdade. Assim como Requião, há no PMDB, no
PSB ou em outros partidos, e também na sociedade, atores, individuais
ou coletivos, com ou sem vinculação partidária, interessados em conter o
avanço do conservantismo político e econômico.
Outro erro será tentar copiar
modelos de outros países, como a Frente Ampla do Uruguai. Apesar do
nome, trata-se de um partido, e não de uma frente de partidos. Mas,
essencialmente, as realidades nacionais são distintas e a do Brasil é
muito peculiar, exigindo inventividade da esquerda local.
A situação é peculiar por
razões diversas. Primeiramente, porque a democracia está sob ameaça
embora formalmente as instituições democráticas estejam funcionando:
Congresso, Judiciário, imprensa livre (desde que seja a favor). Até
eleições municipais tivemos, e também peculiarmente verificou-se que o
eleitorado não compreendeu a dimensão das ameaças que estão em curso,
seja à democracia, seja aos interesses dos mais pobres, dos que
trabalham e dos que precisam do Estado. Tanto não compreendeu que deu
vitória significativa aos conservadores de todos os matizes, derrotando
fragorosamente não apenas o PT mas toda a esquerda.
Lula externou com clareza a
linha a seguir, dizendo que tem o couro duro, preocupando-se mais agora
com a criminalização dos movimentos sociais do que com sua própria
situação. "Precisamos de um diagnóstico preciso, juntar o máximo de
pessoas em torno desse diagnóstico, com propostas. O que nós vamos
propor para este país para os próximos 20, 30 anos? Qual proposta vamos
construir?”
As indagações estão aí, sendo
recolocadas todos os dias por mais um acontecimento diante do qual nos
perguntamos. “Como foi possível isso acontecer?”. E mais coisas
acontecem, fora da curva da normalidade democrática. O diagnóstico
também parece claro. Sem unidade, a restauração conservadora continuará
se impondo e a reversão será mais difícil. Resta mesmo saber se o
conjunto da esquerda está pronto para um momento que exige lucidez e
generosidade, em que os interesses imediatos, inclusive os eleitorais
para 2018, fiquem em segundo plano em nome de algum futuro. A começar
pelo PT, que não pode falar em frente se continuar pensando em ser a
força hegemônica ou em impor candidatura em 2018.
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