A pedagogia de um golpe. Essa poderia ser a narrativa dos últimos doze meses no Brasil.
Há pouco mais de um ano,
quando o escritor português Miguel Sousa Tavares definiu a abertura do
processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff como uma
"assembleia de bandidos presidida por um bandido", muitos se recusavam a
acreditar numa definição tão óbvia e tão precisa.
Foi preciso que os golpistas fossem caindo, um a um, para que a verdade viesse à tona.
O primeiro a tombar foi
Eduardo Cunha, hoje condenado a mais de 15 anos de prisão, por
corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
Pelas delações da JBS, já
se sabe que Cunha recebeu propinas para sair comprando deputados –
parlamentares que lhe foram fiéis na fatídica votação de 17 de abril de
2016.
Com sua bancada, alimentada por um mensalão particular, Cunha tentava extorquir o governo federal.
Dilma, na medida do possível, resistia.
A tal ponto que, já no seu
primeiro mandato, trocou todos os diretores da Petrobras que acabaram
presos em Curitiba, como Paulo Roberto Costa, Renato Duque e Jorge
Zelada – este, homem de confiança do PMDB na área internacional da
estatal. Nesta diretoria específica, ela reduziu em mais de 40% um
contrato que renderia uma propina de US$ 40 milhões para o PMDB, segundo
ficou acertado numa reunião presidida por Michel Temer (leia mais aqui).
Pelas delações da JBS,
soube-se também que, em seu primeiro mandato, Dilma demitiu Wagner
Rossi, que atuava como arrecadador de propinas para Temer (leia mais aqui),
assim como demitiu outros notórios personagens da "turma do Michel",
como Moreira Franco, Eliseu Padilha e Geddel Vieira Lima.
O caso Aécio
Ao seu modo, Dilma foi
conseguindo conter o apetite criminal do PMDB, mal necessário para lhe
garantir a governabilidade. O barco começou a virar quando Cunha, graças
a sua bancada mensaleira, conseguiu se eleger presidente da Câmara dos
Deputados, para, em seguida, se aliar ao senador (hoje afastado) Aécio
Neves (PSDB-MG), um derrotado ressentido que, de repente, se viu sem
nenhuma máquina política nas mãos, uma vez que perdera não só a
presidência da República, como também o governo de Minas Gerais.
O casamento entre Cunha e
Aécio era movido, agora se sabe, por propósitos puramente criminais.
Andrea, a irmã de Aécio, chegou a oferecer a presidência da Vale ao
empresário Joesley Batista por nada menos que R$ 40 milhões. Aécio era
tão guloso em sua demanda financeira que Joesley chegou a pedir "pelo
amor de Deus" para que ele parasse de pedir dinheiro (leia mais aqui).
E foi Aécio quem contratou
Janaina Paschoal, por R$ 45 mil, para que ela fizesse o parecer das
chamadas "pedaladas fiscais", que foi o pretexto para jogar o Brasil no
precipício. Golpeada a democracia, o Brasil passou a ser governado, sem
nenhum tipo de moderação, por uma verdadeira quadrilha. No governo
federal, já há nove ministros investigados e, nos próximos dias, o
próprio ocupante da presidência será investigado por corrupção,
obstrução judicial e organização criminosa – fato inédito na história
brasileira.
O responsável por essa tragédia, Aécio Neves, caiu em desgraça e até sua contratada Janaina Paschoal hoje pede sua prisão (leia aqui).
A luta permanente pela democracia
Mesmo golpeada por
delinquentes, Dilma Rousseff se manteve de cabeça erguida. Rodou o
mundo, denunciando o golpe, enquanto Temer, que usurpou sua presidência,
não conseguiu colocar os pés na rua. Viveu trancado em palácios,
protegido pelo silêncio de uma mídia decadente que, depois de apoiar o
golpe militar de 1964, não se redimiu do passado e se associou ao golpe
parlamentar de 2016.
Embora Temer esteja nos
seus estertores, o golpe ainda não chegou ao fim – e não se sabe se,
após a inevitável queda do presidente-golpista, o Brasil terá um
reencontro com a democracia pela via das eleições diretas ou se haverá
um pacto oligárquico que preserve o atual status quo, após o sacrifício
de um usurpador que se tornou pesado demais para ser carregado.
Mas o Brasil ainda deve um
pedido de desculpas a Dilma: a presidente que caiu porque tentou
resistir à bandidagem que hoje governa o Brasil.
PS: E antes que se diga
"ah, mas e os R$ 150 milhões no exterior da JBS para Lula e Dilma", a
própria Globo já se retratou (leia mais aqui).
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