Por diferentes ângulos que se olhe, Lula venceu o round de ontem no
depoimento a Sérgio Moro, ainda que não tenha mudado em nada as "convicções" do juiz e da Lava Jato. Disse Moro, naquela mensagem de
vídeo aos apoiadores, que "nada de diferente ou anormal" aconteceria.
Mas aconteceu: Os vídeos que continuam sendo vistos por milhões
Internet afora mostram que Lula cravou duas estacas sobre o que será a
história da Lava Jato: a de que vem sendo perseguido (pelo que fez e
representa) e acusado sem provas, um estigma nefasto para qualquer juiz;
e a de que vem sendo massacrado por uma mídia associada aos acusadores,
o que faz dela uma perdedora lateral. Pois se não é parte formal do
processo, é instrumento indiscutível dele.
Depois, a enorme demonstração de apoio ao ex-presidente-réu nas
cercanias do tribunal e a repercussão nas redes e na mídia internacional
não foram fatos "normais". Nas redes, o êxito da hastag "MoropersegueLula" complementa o resultado desgastante para o juiz com o
estigma da parcialidade. As respostas foram em sua maioria positivas
para um interrogado firme e coerente, que conseguiu o desejado
transbordamento do ato judicial em fato político.
Relativamente ao papel da mídia basta a leitura comparada entre a
cobertura do depoimento feita por jornais brasileiros e pelos
estrangeiros para se concluir que têm olhares e motivações bastante
díspares em relação a Lula.
Detenho-me neste ponto da mídia antes de abordar aspectos da
inquirição em si e de e suas consequências judiciais e políticas. Os
veículos de comunicação, não sendo públicos (embora as emissoras de
rádio televisão sejam concessões públicas), prestam serviços ao público
que demandam a renovação diária de credibilidade. A credibilidade é que
lhes assegura poder, influência, leitores, vendas e faturamento
publicitário. A vigorosa denúncia que Lula fez em suas considerações
finais - que Moro permitiu a contragosto e não conseguiu conter e
limitar no tempo – foram algo "diferente e anormal". Quando um
ex-presidente e ainda líder muito popular denuncia uma perseguição
midiática, algum efeito isso tem sobre a credibilidade da mídia. Ele
citou as horas de ataques do Jornal Nacional e similares, as quantas
capas de Veja e demais revistas apontando-o como criminoso, e as
manchetes de jornais ao longo destes últimos dois anos. Uma parte dos
que viram ou ouviram a denúncia certamente verá nela um artifício de
defesa. Mas outra parte, pelo menos, refletirá sobre a confiança que
devem ter em veículos acusados de engajamento numa “caçada” política.
Apenas a Folha de São Paulo destacou em sua cobertura esta importante
passagem da fala final de Lula. Algum desgaste sobrará para a mídia,
ainda que isso não mude também suas convicções, tanto quanto as da Lava
Jato.
Na cobertura do próprio depoimento, viu-se nas manchetes nacionais
desta quinta-feira um esforço para atribuir a Lula uma tentativa de "culpar" sua falecida mulher Marisa Letícia pela negociação interrompida
do tríplex em causa. Ele não "culpou Marisa", como dizem. Assumiu os
atos que lhe dizem respeito, como a visita ao imóvel, a conversa
preliminar com Leo Pinheiro, da OAS, e a desistência do imóvel. Apenas
destacou o interesse maior de Marisa pelo negócio, visto que foi ela, no
próprio nome, que adquiriu a cota da Bancoop que seria usada como
pagamento inicial.
Nenhum jornal brasileiro, diferentemente do que fizeram jornais
estrangeiros como The Guardian, Le Monde, The New York Times, Washington
Post ou as agências AFP e Reuters, destacaram, por exemplo, os desafios
de Lula a Moro, para que fossem apresentadas provas de que é dono do
apartamento. O Le Monde, assim como a reportagem da BBC, destacou a
qualificação do julgamento como “farsa” por Lula. Este foi,
invariavelmente, o tom usado pela mídia estrangeira, bem diferente do
que foi adotado pela mídia nacional.
Moro não se deu por achado na crítica de Lula aos vazamentos que
municiaram a mídia em sua cruzada. Lula poderia ter sido mais claro ao
caracterizar a relação entre vazamento e massacre midiático. Moro
saiu-se com o argumento de que ali não era o foro adequado para
reclamações da imprensa mas acabou escorregando ao dizer que ele também é
muito atacado "por blogs que patrocinam o senhor". Admitiu, portanto,
que existem dois campos da mídia, o que patrocinaria a Lava Jato e o que
patrocinaria Lula.
Mas, se Lula ganhou politicamente o round do depoimento, servirá ele
para mudar seu destino e, por decorrência, o curso dos fatos políticos
no Brasil? É pouco provável, pelo menos nesta fase de seu julgamento em
primeira instância. Moro deixou claro, com suas perguntas, que
compartilha da tese central dos procuradores=acusadores. Que poderia ter
assinado o power-point do procurador Dellagnol, em que Lula é apontado
como chefe de um esquema criminoso. Quando fez perguntas sobre o
mensalão, assunto fora da pauta, quando perguntou se Lula sabia da
corrupção na Petrobrás, momento de um dos embates mais tensos, ou quando
obteve a confirmação de que Lula realmente questionou Renato Duque
sobre contas no exterior, Moro deixou transparecer o que pensa sobre o
papel do ex-presidente em toda a trama da Lava Jato. Logo, é pouco
provável que tenha sido convencido por Lula a absolvê-lo.
Lula cobrou provas com insistência, sabedor de que nisso reside a
maior dificuldade de Moro para condená-lo na acusação de corrupção e
lavagem de dinheiro relacionada com o tal tríplex. O que a acusação tem
são sinais de interesse pelo imóvel, depoimentos importantes, como o de
Leo Pinheiro, de que ele estava reservado para Lula, mas nenhuma prova
de que chegou a lhe pertencer. E muito menos de que o recebeu como
vantagem indevida por favores concedidos à OAS na Petrobrás. Esta
ausência de prova cristalina, entretanto, não é problema para Moro. Ele
já condenou outros acusados na Lava Jato baseando-se apenas em indícios
fortes e deduções.
Agora virão as alegações finais, tanto da acusação como da defesa,
logo depois a sentença. Espera-se, no meio jurídico, que Moro faça isso
no máximo até o final de junho.
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