247 - Fernando Henrique Cardoso publicou um longo
artigo nesta segunda-feira em que mostra que não vê mais viabilidade no
governo de Michel Temer.
O tucano volta a chamar a administração do peemedebista de "pinguela" e diz que a crise é grave.
FHC deixa nítido que Temer deveria renunciar, pelo bem do Brasil.
"Neste quadro, Michel Temer tem a responsabilidade e talvez
a possibilidade de oferecer ao país um caminho mais venturoso, antes
que o atual centro político esteja exaurido, deixando as forças que
apoiam as reformas esmagadas entre dois extremos, à esquerda e à
direita".
O tucano diz ainda que Temer poderia aproveitar o desejo por
mudanças e promover uma reforma no Congresso, com uma proposta de
emenda constitucional que adiantasse as eleições.
Confira abaixo a íntegra do texto:
As dificuldades políticas pelas quais passamos têm claros
efeitos sobre a conjuntura econômica e vêm se agravando a cada dia.
Precisamos resolvê-las respeitando dois pontos fundamentais: a
Constituição e o bem-estar do povo.
Mormente agora, com 14 milhões de desempregados no país,
urge restabelecer a confiança entre os brasileiros para que o
crescimento econômico seja retomado.
A confiança e a legalidade devem ser nossos marcos. A
sociedade desconfia do Estado, e o povo descrê do poder e dos poderosos.
Estes tiveram a confiabilidade destruída porque a Operação Lava Jato e
outros processos desnudaram os laços entre corrupção e vitórias
eleitorais, bem como mostraram o enriquecimento pessoal de políticos.
Não se deve nem se pode passar uma borracha nos fatos para
apagá-los da memória das pessoas e livrar os responsáveis por eles da
devida penalização.
A Justiça ganha preeminência: há de ser feita sem vinganças,
mas também sem leniência com os interesses políticos. Que se coíbam os
excessos quando os houver, vindos de quem venham –de funcionários, de
políticos, de promotores ou de juízes. Mas não se tolha a Justiça.
Disse reiteradas vezes que o governo de Michel Temer (PMDB) atravessaria uma pinguela, como o de Itamar Franco (1992-1994).
Colaborei ativamente com o governo Itamar, apoiei o atual.
Ambos com pouco tempo para resolver grandes questões pendentes de
natureza diferente: num caso, o desafio central era a inflação; agora é a
retomada do crescimento, que necessita das reformas congressuais.
Nunca neguei os avanços obtidos pela administração Temer no
Congresso Nacional ao aprovar algumas delas, nem deixo de gabar seus
méritos nos avanços em setores econômicos. Não me posiciono, portanto,
ao lado dos que atacam o atual governo para desgastá-lo.
Não obstante, o apoio da sociedade e o consentimento popular
ao governo se diluem em função das questões morais justa ou
injustamente levantadas nas investigações e difundidas pela mídia
convencional e social.
É certo que a crítica ao governo envolve todo tipo de
interesse. Nela se juntam a propensão ao escândalo por parte da mídia, a
pós-verdade das redes de internet, os interesses corporativos
fortíssimos contra as reformas e a sanha purificadora de alguns setores
do Ministério Público.
Com isso, o dia a dia do governo se tornou difícil. Os
governantes dedicam um esforço enorme para apagar incêndios e ainda
precisam assegurar a maioria congressual, nem sempre conseguida, para
aprovar as medidas necessárias à retomada do crescimento.
Em síntese: o horizonte político está toldado, e o governo,
ainda que se mantenha, terá enorme dificuldade para fazer o necessário
em benefício do povo.
Coloca-se a questão agônica do que fazer.
Diferentemente de outras crises que vivemos, nesta não
existe um "lado de lá" pronto para assumir o governo federal, com um
programa apoiado por grupos de poder na sociedade.
Mais ainda, como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
declarou que as eleições de 2014 não mostraram "abusos de poder
econômico" (!) [em julgamento encerrado no dia 9 de junho, não há como
questionar legalmente o mando presidencial e fazer a sucessão por
eleições indiretas.
Ainda que a decisão tivesse sido a oposta, com que
legitimidade alguém governaria tendo seu poder emanado de um Congresso
que também está em causa?
É certo que o STF (Supremo Tribunal Federal) pode decidir
contra o acórdão do TSE, coisa pouco provável. Em qualquer caso,
permaneceria a dúvida sobre a legitimidade, não a legalidade, do
sucessor.
Resta no arsenal jurídico e constitucional a eventual
demanda do procurador-geral da República pedindo a suspensão do mandato
presidencial por até seis meses [a iniciativa precisa ser aprovada por
dois terços dos deputados] para que se julgue se houve crime de
improbidade ou de obstrução de Justiça.
Seriam meses caóticos até chegar-se à absolvição [pelos
ministros do STF] –caso em que a volta de um presidente alquebrado pouco
poderia fazer para dirigir o país- ou a novas eleições. Só que estas se
dariam no quadro partidário atual, com muitas lideranças judicialmente
questionadas.
Nem assim, portanto, as incertezas diminuiriam –nem tampouco a descrença popular.
O imbróglio é grande.
Neste quadro, o presidente Michel Temer tem a
responsabilidade e talvez a possibilidade de oferecer ao país um caminho
mais venturoso, antes que o atual centro político esteja exaurido,
deixando as forças que apoiam as reformas esmagadas entre dois extremos,
à esquerda e à direita.
Bloqueados os meios constitucionais para a mudança de
governo e aumentando a descrença popular, só o presidente tem
legitimidade para reduzir o próprio mandato, propondo, por si ou por
seus líderes, uma proposta de emenda à Constituição que abra espaço para
as modificações em causa.
Qualquer tentativa de emenda para interromper um mandato externa à decisão presidencial soará como um golpe.
Não há como fazer eleições diretas respeitando a Constituição Federal; forçá-las teria enorme custo para a democracia.
Por outro lado, as eleições "Diretas-Já" não resolvem as
demais questões institucionais, tais como a necessária alteração dos
prazos para desincompatibilização [de cargos públicos e eletivos por
parte de possíveis postulantes], eventuais candidaturas avulsas, aprovar
a cláusula de barreira e a proibição de alianças entre partidos nas
eleições proporcionais. Sem falar no debate sobre quem paga os custos da
democracia.
Se o ímpeto de reforma política for grande, por que não
envolver nela uma alteração do mandato presidencial para cinco anos sem
reeleição? E, talvez, discutir a oportunidade de antecipar também as
eleições congressuais. Assim se poderia criar um novo clima político no
país.
Apelo, portanto, ao presidente para que medite sobre a
oportunidade de um gesto dessa grandeza, com o qual ganhará a anuência
da sociedade para conduzir a reforma política e presidir as novas
eleições.
Quanto tempo se requer para aprovar uma proposta de emenda à
Constituição e redefinir as regras político-partidárias? De seis a nove
meses, quem sabe?
Abrir-se-ia assim uma vereda de esperança e ainda seria
possível que a história reconhecesse os méritos do autor de uma proposta
política de trégua nacional, sem conchavos, e se evitasse uma derrocada
imerecida.
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