247 - O jornal O Globo publica nesta
quarta-feira um duro editorial contra Michel Temer. Intitulado "Temer
entra na História pela porta dos fundos", o texto enumera a sucessão de
tramóias praticadas pelo peemedebista.
"Temer conseguiria, de fato, lugar na História, mas como o
primeiro presidente em exercício a ser denunciado por corrupção. O
passado e as práticas do PMDB — em especial, do grupo do presidente na
Câmara, em conexão com o encarcerado Eduardo Cunha — foram mais fortes
que possíveis intenções de Temer de abrilhantar a biografia. Por isso,
manteve os esquemas do fisiologismo do toma lá dá cá, e, como se vê, não
obstruiu o fluxo de dinheiro de propina pelos subterrâneos do partido.
Ao contrário, transferiu o propinoduto para o porão do Palácio do
Jaburu, já na condição de presidente da República", diz o editorial.
Confira abaixo a íntegra do texto:
Temer entra na História pela porta dos fundos
Não que o advogado Michel Temer, vice de Dilma Rousseff —
chapa nascida da aliança entre PMDB e PT, negociada em bases nada
republicanas —, fosse de absoluta confiança. Mas, político rodado,
presidente da Câmara dos Deputados três vezes e do próprio partido,
Michel Temer assumiu no impeachment de Dilma com o trunfo de, com base
em toda esta expertise de transitar com facilidade pelo Congresso, poder
aprovar, em pouco menos de dois anos, as principais reformas de que o
Brasil necessita para voltar a crescer. Conquistaria lugar de destaque
na República.
Temer conseguiria, de fato, lugar na História, mas como o
primeiro presidente em exercício a ser denunciado por corrupção. O
passado e as práticas do PMDB — em especial, do grupo do presidente na
Câmara, em conexão com o encarcerado Eduardo Cunha — foram mais fortes
que possíveis intenções de Temer de abrilhantar a biografia. Por isso,
manteve os esquemas do fisiologismo do toma lá dá cá, e, como se vê, não
obstruiu o fluxo de dinheiro de propina pelos subterrâneos do partido.
Ao contrário, transferiu o propinoduto para o porão do Palácio do
Jaburu, já na condição de presidente da República.
Encaminhada na segunda à noite ao Supremo Tribunal pelo
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a denúncia de corrupção
passiva se baseia em depoimento e gravação de conversa com o presidente
feitos pelo empresário Joesley Batista, do grupo JBS. Mas não só.
Joesley, segundo acordo de delação premiada assinado com a PGR,
colaborou, ainda, em uma "operação controlada", nos termos da
legislação, em que, além de gravações, foi feito vídeo da entrega de
mala com R$ 500 mil ao deputado Rodrigo Loures (PMDB-PR), indicado por
Temer ao empresário para tratar de “tudo”, de qualquer assunto de
interesse de Joesley.
Somadas, as provas sustentam uma denúncia sólida contra
Temer: gravação do presidente indicando Loures para Joesley abordar
temas subterrâneos, na falta do ex-ministro Geddel Vieira, sob
investigação; Loures, também em gravação, dispondo-se a defender
interesses de Joesley no Cade e na CVM; e o acerto de uma generosa
mesada a Loures, em troca da ajuda na solução de uma pendência com a
Petrobras sobre o preço do gás cobrado a uma termelétrica da JBS.
O quadro se fecha com um depoimento do executivo do JBS
Ricardo Saud comprovando ser correta a evidência de que Loures recebia o
dinheiro em nome de Temer. Os dois, como disse o executivo, teriam bela
“aposentadoria” . Pois, paga ao longo de 25 a 30 anos, a propina
chegaria a centenas de milhões.
O presidente decidiu rebater a acusação da PGR em
pronunciamento, ontem à tarde, no Planalto, diante de uma plateia de
aliados, com os quais espera contar na votação da denúncia, a ser
enviada à Câmara pelo Supremo. Mas, em vez de responder a questões
objetivas da acusação, partiu para o ataque a Janot. Para Temer, a PGR "reinventou o Código Penal", ao instituir a "denúncia por ilação". Mais:
a delação de Joesley Batista foi negociada por um ex-procurador que
trabalhara com o procurador-geral e, por este trabalho, teria ganhado
muito dinheiro. Aproveitou para insinuar que Janot teria recebido parte
do pagamento, mas disse que não faria a denúncia, porque, assim,
repetiria a acusação da PGR contra ele.
É muito difícil que a aplicação do velho chavão — a melhor
defesa é o ataque — funcione diante de tantos indícios e provas em
sentido contrário. Para descredenciar a gravação feita por Joesley da
conversa noturna no porão do Jaburu, Temer insistiu com o laudo feito
por perito contratado por sua defesa, quando a Polícia Federal acabara
de atestar como verdadeiro o áudio. As 294 paralisações da gravação,
segundo a PF, não são intervenções fraudulentas, mas característica do
gravador, que para quando ninguém está falando.
Ainda há mais acusações a caminho contra Temer. A de
obstrução da Justiça foi reforçada com a elucidação, pela PF, de trechos
que eram inaudíveis. A criação de obstáculos para a ação do Estado na
repressão ao crime ficou configurada quando Joesley e Temer trataram da
ajuda financeira a Eduardo Cunha e a Lúcio Funaro, operador financeiro
de Cunha e de outros do PMDB.
Joesley fazia pagamentos periódicos a Cunha e Funaro, em
troca do silêncio dos dois. Houve grande controvérsia em torno de
algumas palavras, mas o trabalho feito nos laboratórios da PF reforça a
acusação do procurador-geral de que Temer, naquela noite, estimulou o
empresário a continuar com os pagamentos aos dois. Esta é uma passagem
tóxica para Michel Temer.
Na segunda-feira, o presidente aproveitou solenidade no
Planalto para dar um grito de guerra: “Nada nos destruirá, nem a mim,
nem aos ministros” . Resta saber como. À noite, depois de formalizada a
acusação, Temer se reuniu em Palácio com o ministro Moreira Franco, da
Secretaria-Geral da Presidência; a advogada-geral da União, Grace
Mendonça, e advogados que o defendem no STF. As tropas de Temer, porém,
são mais numerosas.
Elas já devem estar fazendo intenso trabalho junto aos
membros da Comissão de Constituição e Justiça, para onde a presidente do
Supremo, Cármen Lúcia, enviará a denúncia. Conseguir que a CCJ rejeite o
pedido — mesmo que ele siga de qualquer forma ao plenário — é
importante para Temer. Deverá ser feito "o diabo", nos termos usados por
Dilma Rousseff, na obtenção de votos na comissão. Caberá vigilância
estreita sobre as transações que inevitavelmente transcorrerão na
Câmara.
São conhecidas as manobras para trocas de deputados com
assento na CCJ, para se garantirem resultados nas votações. Nesta hora,
pesam os vínculos e compadrios construídos por Temer e seu grupo durante
muito tempo de convívio no Congresso. A não ser que conte a
impopularidade recorde do presidente. Mas ele jogará tudo para fazer
morrer na Câmara a acusação, evitando que chegue aos 11 ministros do
Supremo, Corte muito diferente do TSE.
O resto é zelar pelos trâmites constitucionais, sem manobras
protelatórias, para se desatar o nó político-institucional, pelas
regras legais. A economia ainda emite sinais positivos decorrentes do
que pôde ser feito até o porão do Jaburu ser iluminado pela delação de
Joesley. Mas seria um milagre o PIB se desconectar de uma crise que tem
nome: Michel Miguel Elias Temer Lulia. Porém, importa agora é que as
instituições decidam, essencial para manter a segurança jurídica,
independentemente de qual será o desfecho.
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