Além de indignar os 200 milhões de brasileiros, a descoberta do
pacote de favores prestados pelo governo Temer à Shell e outras empresas
britânicas para facilitar ainda mais o domínio externo sobre as
reservas do pré-sal ajuda a iluminar aspectos necessários a defesa dos
interesses do país.
O benefício é jogar luzes sobre num debate que ocorre na surdina, no
Congresso, que irá ter consequências um pouco mais, um pouco menos
nefastas para o destino do país.
Neste momento, Temer tenta aprovar uma Medida Provisória, de número
795, que pretende escancarar o mercado brasileiro de máquinas e
equipamentos para a indústria do petróleo. Num ponto que divide os
parlamentares, empresários e demais setores interessados na preservação
do que ainda sobrevive como parque industrial no país, a mudança
prevista pela MP envolve a isenção de impostos para compras no exterior,
criando um sistema com distorções bem conhecidas contra a indústria, o
emprego e até as contas públicas.
Uma tragédia previsível desde que Temer organizou a entrega do
pré-sal mas que agora começa a ser detalhada. Para começar, a MP coloca
uma segunda pá de cal no regime de conteúdo local que protege a
indústria, que passaria a enfrentar a concorrência de equipamentos e
maquinas trazidas para cá sem pagamento de impostos -- muitas vezes,
produzidas pelas próprias petroleiras estrangeiras. O passo seguinte
implica na redução de empregos de qualidade, numa conjuntura que
dispensa comentários.
Num momento em que o governo não para de ameaçar todo cidadão
brasileiro com cortes em políticas públicas de interesse da população, a
MP desmascara as verdadeiras prioridades. Se for aprovada, irá implicar
num rombo tributário estimado em R$ 40 bilhões por ano -- quantia
equivale a uma vez e meia os gastos com o Bolsa Família, por exemplo. Ou
dois terços dos gastos com aposentadorias militares, excluídas do
projeto de reforma da previdência.
Deslocando-se em vários pontos do país para debater a MP 795, José
Velloso, presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos
(Abimaq) tem denunciado o artigo 5o. da MP porque "isenta os impostos de
importação de qualquer bem para a indústria de exploração e produção de
petróleo e isso vai prejudicar a indústria naval."
Pela emenda número 12, apresentada no Congresso pela bancada de
parlamentares alinhados com a defesa da indústria, mantém-se a cobrança
de impostos para os produtos importados quando existe similar nacional
-- tratamento padrão, em todo o mundo, desde o surgimento dos Estados
nacionais e da compreensão de que economias em graus diferenciados de
desenvolvimento devem receber tratamentos diferenciados. "Dar tratamento
igual para produto nacional e importado é beneficiar o importado",
afirma Cesar Prata, diretor da ABIMAC.
Com a revelação do Guardian, apontando para um ambiente de
promiscuidade incompatível com autoridades que tem a obrigação
constitucional de zelar pela riqueza e pela soberania do país, a
natureza vergonhosa das tratativas para entrega do pré-sal fica mais
clara do que nunca. Consolida a visão de que tudo não passou de um caso
clássico de "receptação de mercadoria roubada", traduzida como
"receptação culposa" nos textos jurídicos, como define o professor
Gilberto Bercovici, titular de Direito Econômico e Economia Política da
Faculdade de Direito da USP. Para Bercovici, a venda do pré-sal ocorreu
em condições tão absurdas como a venda de um relógio Rolex, na praça da
Sé em São Paulo, "por um preço que não compatível com a normalidade do
mercado nem por um vencedor autorizado".
Já era possível saber disso desde a venda do pré-Sal. As notícias
recentes acrescentam um ambiente intolerável de falta de respeito pelas
riquezas do país e pelo destino das próximas gerações. "Vamos voltar ao
país anterior a Vargas e a Revolução de 1930", afirma Pedro Celestino,
presidente do Clube de Engenharia.
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