Da Rede Brasil Atual -
A omissão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em relação às táticas da
candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), baseadas na disseminação em massa
de fake news pelas redes sociais e pelo WhatsApp, é mais um indicativo
de que a atual disputa à Presidência da República está longe de ser uma
eleição disputada dentro dos padrões de normalidade.
"Não se pode contar com o TSE para
banir ou interditar essas mensagens pelo WhatsApp, o que seria de se
esperar em uma situação normal. Mas esta não é uma situação normal. E a
gente também não pode esperar desse TSE outra coisa senão essa que já
está acontecendo", afirmou o sociólogo e professor do Departamento de
Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Laymert Garcia
dos Santos.
Na sua avaliação, a estratégia
adotada por Bolsonaro, em que as contradições no anúncio de propostas
acentuam a atmosfera de instabilidade semeando uma grande confusão, está
inserida em uma máquina de "guerra híbrida" contra a população. Com
apoio de grande parte do empresariado, ruralistas e os setores
conservadores, essa guerra não declarada tem objetivos que vão além de
influenciar a decisão dos eleitores na hora de votar. Trata-se do
controle econômico e social por meio do extermínio de populações pobres.
Conforme disse Laymert, em debate
nesta segunda-feira (15), na livraria Tapera Taperá, na região central
de São Paulo, as elites não estão dispostas a pagar o preço político e
moral de uma solução como a adotada pelo nazismo a partir da década de
1930.
Assim, buscam alternativas
semelhantes ao modelo que teve em Auschwitz um símbolo de política
higienista – com o extermínio de judeus, homossexuais, ciganos, negros,
pessoas com deficiência física e mental, padres, comunistas,
sindicalistas, anarquistas, poloneses e outros povos. Entre as
alternativas buscadas, unir aliados em torno da criação de condições
para agravar o quadro social, já caótico devido ao aprofundamento das
desigualdades sociais.
"É o que já está acontecendo. De
2016 para cá, a gente tem uma frente do stablishment voltado para a
eliminação do outro. Começa com os 'vermelhos': comunistas, petralhas, e
vai abrindo o leque para uma série de categorias díspares. E isso
inclui muita gente, como mulheres, gays, indígenas, negros", destacou.
Para ilustrar seu argumento, lembrou
a ficção de Susan George O Relatório Lugano (Boitempo). Na obra,
autoridades contratam profissionais para analisar a situação global e
encontrar alternativas para manter em funcionamento o sistema
capitalista ameaçado por um colapso. A saída apontada é o extermínio de
um terço da população mundial por meio de diversas de formas de se
concretizar a barbárie.
"Na ficção, os especialistas
contratados concluem que a saída é que os pobres se matem entre si. É
preciso então criar condições caóticas, porque o próprio processo de
aumento da desigualdade no ultraliberalismo já cria condições adversas. É
o que já está acontecendo aqui".
REPRODUÇÃO
Se eu for eleito vou metralhar a Rocinha
A matança na Rocinha como estratégia contra o tráfico é uma das ameaças de morte do candidato do PSL
Ameaça de morte
Para um trabalho que será lançado semana que vem pela editora N-1, Laymert analisou declarações de Bolsonaro, sempre em uma perspectiva de guerra e de aniquilação do inimigo.
Se eu for eleito vou metralhar a Rocinha
A matança na Rocinha como estratégia contra o tráfico é uma das ameaças de morte do candidato do PSL
Ameaça de morte
Para um trabalho que será lançado semana que vem pela editora N-1, Laymert analisou declarações de Bolsonaro, sempre em uma perspectiva de guerra e de aniquilação do inimigo.
Ele considera assustador o sucesso
de mensagens como a de seu filho Eduardo Bolsonaro, fotografado com um
placa que diz 'Eu pacificamente vou te matar'. Ou do próprio Jair, como
aquela em que fala em dar um prazo para a população da Rocinha, no Rio
de Janeiro, entregar os traficantes e, 'se não entregar, a gente
metralha todo mundo'.
"Vai desde esse 'pacificamente vou
matar você' até a questão de extermínio de populações específicas",
ressaltou o sociólogo. A pergunta a ser feita, segundo ele, é a razão de
ameaças de morte como essas serem aceitas por seus seguidores. "Como
pode pessoas que serão afetadas votar em alguém que depois vai
ameaça-las? Como essa ameaça de morte é escolhida, e não é imposta?"
A resposta, segundo o professor,
pode ser encontrada no livro Psicologia de Massas do Fascismo, de
Wilhelm Reich. Clique aqui para ler a obra em que o autor analisa o que
aconteceu com um parcela da classe trabalhadora alemã na década de 1930,
quando ela votou contra o seu interesse, contribuiu com a ascensão do
nazismo e com o seu próprio extermínio – ou seja, gente escolhendo a sua
sentença de morte. Isso porque a possibilidade de se quebrar a ordem na
qual se equilibram precariamente os faz pedir controle e repressão.
A compreensão desses fenômenos é
chave para entender o ódio que cega o seguidor de Bolsonaro e tentar
neutralizá-lo. "A nossa dificuldade de dialogar com os seus eleitores,
sobretudo os mais pobres, que serão exterminados está no fato de que
esse ódio está além da racionalidade, ou seja, na raiz desse projeto
neoliberal. Não adianta a gente querer esclarecer as pessoas ou
raciocinar como elas, porque elas estão plugadas nessa sentença de morte
de maneira inconsciente e por afeto. Por isso é difícil desmanchar esse
dispositivo de ressentimento, que é psicossocial e disputar essa guerra
híbrida de maneira profissional", disse.
Conforme lembrou, isso explica
também porque no caso brasileiro as populações não se levantam contra as
elites, como foi na Revolução Francesa e na Revolução Russa. No caso
brasileiro, porém, a operação é inversa. E teve início em junho de 2013,
quando a então presidenta Dilma Rousseff foi hostilizada na abertura da
Copa do Mundo.
A partir de então uma parcela da
elite que entrou nesse jogo arriscado enxergou a possibilidade de
retirada de direitos trabalhistas, mesmo que o preço fosse o retorno ao
período colonial. E outra apostou no exercício de controle sobre
Bolsonaro – o que pode ter sido "uma burrice".
"Há um certo otimismo das elites.
Mas se ele for eleito, os milhões de votos vão dar legitimidade também
para a repressão sobre a população, que quando perceber que se deixou
enganar vai se manifestar. É claro que no início será mantida uma
aparência de regime democrático. Mas em um segundo momento, ele vai
baixar a repressão. Estamos nos encaminhando para o agravamento da
crise".
Outro problema nessa máquina de
guerra que caracteriza a atual eleição presidencial e que os candidatos
tratam como se fosse convencional, segundo ele, é que, "como sempre", as
forças democráticas estão atrasadas na compreensão da estratégia do
inimigo. Ele lembrou o ex-funcionário da CIA Edward Snowden, que vazou
documentos sigilosos da agência norte-americana e do jornalista e
ativista australiano Julian Assange, do WikiLeaks.
"Eles já vinham mostrando que a
Dilma e a Petrobras estavam sendo espionadas, e mesmo assim a então
presidenta falava com o ex-presidente Lula em telefones que não estavam
criptografados. Se você sabe que está enfrentando uma situação como
essa, tem de chamar as maiores autoridades em tecnologia da informação
para começar a fazer o que tinha de ter sido feito desde o início. E que
não foi feito porque considerava-se que esta seria uma campanha
convencional".
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