A manipulação da pequisa do DataFolha em torno da aprovação de Michel
Temer e Dilma Rousseff não chama atenção pela originalidade -- mas pela
perversidade.
Em 1964, a Federação do Comércio de São Paulo, envolvida na
conspiração que derrubou João Goulart, encomendou uma pesquisa sobre
aprovação do governo. Descobriu que Jango era aprovado por mais de 60%
da população. Até em lugares onde a oposição era fortíssima, como São
Paulo, pontos essenciais de seu programa de Reformas de Base, a Reforma
Agrária era apoiada por mais de 50%.
Precavida, a Federação do Comércio arquivou o levantamento, que só
seria divulgado 40 anos depois, após a democratização, quando
pesquisadores tiveram acesso aos arquivos da Unicamp, onde ficou
escondida por anos a fio.
É evidente que, em 1964, o segredo ajudou os adversários de Jango a
cultivar o mito de que Goulart era um presidente impopular, falsidade
que contribuiu para minar a possível resistência dos brasileiros contra
um ataque a democracia. Com números escondidos, era possível dizer que o
golpe salvara a democracia. A decisão também produziu efeitos sobre a
posteridade, alimentou trabalhos acadêmicos distorcidos e até contribuiu
para formar um retrato de Goulart como um líder sem base real entre os
brasileiros.
"Muitos historiadores, até dez anos atrás, ainda tinham essa ideia de
que Goulart caiu porque era frágil, não tinha o apoio dos partidos e,
sobretudo, da população" disse o professor Luis Antonio Dias, da PUC de
São Paulo, em entrevista à TV Câmara, em 2014.
Os números de fantasia do DataFolha sobre Temer foram publicados no
percurso de um golpe de Estado que, sem dispor de tanques nem de
baionetas, que têm o inegável poder de intimidar a população pela força,
precisa forjar a adesão dos brasileiros. Tenta-se dizer que o
afastamento de Dilma Rousseff tem seu consentimento e até aprovação.
A rigor, os golpistas de 64 podiam dispensar a opinião dos
brasileiros. Dispunham até da Operação Brother Sam, organizada pelas
Forças Armadas dos EUA, para prestar socorro, em caso de necessidade. Em
2016 aliados de Temer são vaiados no exterior e até impedidos de falar.
Isso acontece porque a situação em 2016 é outra. Nos dias anteriores
ao afastamento da presidente, ocorreram imensos protestos contra uma
decisão que fere uma democracia duramente conquistada. Após o golpe,
sucessivos protestos mostraram que Temer e seus aliados, entre os quais a
Folha e a mídia grande, perderam um debate político sobre a
legitimidade do novo governo. Até a líder do governo do governo no
Senado diz que "tudo foi política." A votação tenebrosa na Câmara não
sai da memória de ninguém. Muito menos o papel de Eduardo Cunha. Ou as
próprias denuncias contra Temer. Ou o reconhecimento pelo próprio
Ministério Público de que as pedaladas fiscais usadas para condenar a
presidente nunca foram crime.
A manipulação da pesquisa surge como uma tentativa de dar um verniz
de legitimidade a um governo o que não possui nenhuma. Até porque, em
seu esforço para calar o debate e evitar toda contestação, uma das
primeiras providências foi silenciar o jornalismo de Empresa Brasil de
Comunicação e atacar, financeiramente, os portais da internet não
alinhados com a nova ordem.
A manipulação é um exercício temerário, porque arriscado. Não basta
esconder a verdade. É preciso ter controle absoluto de uma situação,
para construir, divulgar e proteger uma mentira -- sintetizada na
divulgação da resposta a uma pergunta que não foi apresentada a
eleitores que, teoricamente, poderiam resumir o pensamento da população.
A finalidade da mentira está escancarada. Destina-se a dar um
argumento para senadores que podem ser cobrados por eleitores, cada vez
mais desconfiados dos projetos impopulares e anti nacionais do governo
interino. Em caso de dúvida, poderiam alegar que apenas atendiam a
vontade da maioria dos brasileiros.
Era mentira -- como sabemos agora, num episódio que marca um novo
rebaixamento do padrão do jornalismo brasileiro em nossa época. O truque
empregado é banal.
Disponível na internet, encontra-se um livro chamado "How To Lie With
Statístics"(como mentir com estatísticas) que ensina os interessados a
usar tabelas, pesquisas, perguntas dirigidas e cálculos marotos para
enganar os incautos. Best seller lançado em 1954, já vendeu meio milhão
de cópias.
Na verdade, a pesquisa é boa para Dilma. Mostra que ela está correta
em apresentar a proposta de plebiscito sobre novas eleições caso o golpe
seja derrotado. É, com todas as distancias guardadas, a vontade do
povo. E, ao contrário do que desejam aqueles que escondem e manipulam
pesquisas, é bom que seja ouvida.
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