Com o início do funcionamento da comissão especial e
do debate sobre a reforma previdenciária na Câmara, começa a ficar
claro que nem a base parlamentar gelatinosa de Michel Temer está
disposta a engolir o esbulho de direitos que ele e seu governo propõem. O
relator, deputado Arthur Maia (PPS-BA), declarou que vai alterar a
regra de transição para o novo regime, em que homens e mulheres só podem
se aposentar aos 65 anos de idade. Na base, dezenas de deputados
governistas já apresentaram emendas alterando diferentes dispositivos da
proposta, na mesma linha do que faz a oposição. Pessoas com deficiência
fizeram o primeiro protesto contra mudanças no BPC (Benefício de
Prestação Continuada, que não é aposentadoria mas também é garfado pela
reforma), matéria que o relator também prometeu examinar “com cuidado”.
Aos membros da comissão, a subprocuradora-geral do Trabalho, Maria
Aparecida Gurgel, disse que a reforma da Previdência "joga os
fundamentos da República na lata de lixo”. E para completar, o
presidente do PMDB, Romero Jucá, teve que desmentir o ministro Moreira
Franco, pela afirmação, ao jornal Valor Econômico, de que o PMDB poderá
liberar a bancada para votar como quiser na reforma previdenciária.
Jucá, entretanto, não garante o fechamento de questão. Haveria rebelião
na bancada.
Vamos por partes, começando pela regra de transição. Arthur Maia fez
uma comparação bastante clara. O que o governo propõe é que um grupo de
pessoas suba a escala em degraus de 20 centímetros, e outro grupo tenha
que enfrentar degraus de meio metro. Pela proposta do governo, na nova
situação haveria dois grupos de contribuintes. No primeiro, mulheres
acima de 45 anos e homens acima de 50 anos teriam de pagar um "pedágio"
de 50% sobre o tempo de contribuição restante no sistema atual. No
segundo grupo estariam todos que tenham idade inferior, respectivamente
ao sexo, e só poderão se aposentar com 65 anos de idade e tempo mínimo
de contribuição de 25 anos. Uma mulher com 46 vai se aposentar, por esta
regra, muito mais cedo que uma de 45, por exemplo. Não há transição. O
que há é um corte tosco. "Você pode ter alternativas para ampliar esse
pedágio de outra forma, com uma transição mais suave, que não seja
remetendo quem tem 49 anos para uma regra de 65", disse Maia. Dezenas de
emendas sugerem fórmulas de transição, enquanto a oposição pede a
supressão da idade mínima.
Uma das maiores maldades da reforma previdenciária é o aumento, de 15
para 25 anos, do tempo mínimo de contribuição, fora a idade mínima. No
Brasil há milhões de contribuintes que se filiaram tardiamente ao INSS,
acreditando na regra dos 15 anos. Gente que começou a trabalhar
formalmente, ou a contribuir como autônomo, só aos 40, 45 anos de idade,
e contava com uma aposentadoria aos 55, 60 anos. Agora, terão que
contribuir por muito mais tempo. Até depois dos 70. Muitos morrerão sem
se aposentar. Este artigo também não passará sem mudança pelo Congresso.
Relativamente ao BPC, o governo caprichou nas maldades. Primeiro,
eleva de 65 para 70 anos a idade mínima para que um idoso desvalido (sem
aposentadoria porque nunca contribuiu) passe a receber um
salário-mínimo do governo. E ainda desvinculou o valor do benefício do
salário-mínimo, o que o encurtará ano a ano, até virar esmola.
Izabel Maior, representante do Movimento das Pessoas com Deficiência,
explicou a maldade à Agência Câmara. "Para se ter acesso ao BPC, cada
membro da família do interessado tem que ganhar no máximo R$ 234,25
mensais, somando todas as rendas e dividindo pelo total de pessoas da
família. Isso dá R$ 7,8 por dia por pessoa. É sobre estas pessoas que
queremos corrigir problemas previdenciários?". Ela destaca que a
elevação da idade para receber o benefício para 70 anos castiga pessoas
muito pobres e que vivem menos, exigindo delas cinco anos mais que dos
contribuintes do INSS. Mas o que pouca gente sabe e diz é que este
benefício não vem da Previdência e sim do orçamento da seguridade. Logo,
as mudanças não terão impacto para o chamado reequilíbrio das contas
previdenciárias. São pura maldade mesmo. Dezenas de emendas já foram
apresentadas contra as mudanças no BPC.
Se esta reforma é tão importante como diz o governo para a retomada
da confiança na economia, estamos fritos. Tudo indica que o Congresso
vai parir um ratinho.
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