Alvo de uma petição de 499 intelectuais e de um protesto em Nova York neste fim de semana (leia aqui),
onde desistiu de participar de um debate acadêmico para evitar ser
escrachado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso divulgou, neste
sábado, a carta em que tenta negar que a presidente Dilma Rousseff tenha
sofrido um golpe.
"Estranho golpe no qual ela
continua na residência Presidencial, cercada de colaboradores e sob
condições de segurança devidas aos chefes de estado, à espera de decisão
do Senado", escreveu FHC, sem dizer que o governo interino está
colocando em prática um programa oposto ao vitorioso nas urnas e sem
citar os áudios de Sergio Machado, que revelam que a grande motivação da
classe política era salvar o próprio pescoço.
Principais meios de comunicação do
mundo, como New York Times, Guardian, El Pais, Der Spiegel, The
Economist e RT, falam em golpe.
Assista aqui ao vídeo em que FHC, mesmo ausente, é escrachado e confira, abaixo, a íntegra da Carta de FHC ao declinar de convite para participar de debate na Associação Latino Americana de Sociologia:
"Estimados colegas diretores da LASA:
Reitero meus agradecimentos pelo
convite para participar da celebração dos 50 anos de LASA, instituição
que acompanho desde seu nascimento e de cujas reuniões participei em
algumas ocasiões.
Agradeço também a reafirmação do
convite, feita diante de manifestações de pesquisadores e professores
que, levados por paixões ideológicas, imaginaram que eu poderia
aproveitar o evento para discutir problemas políticos locais,
brasileiros. Os que me conhecem sabem que fui treinado como cientista
social quando, a despeito de crenças e valores, os intelectuais
procuravam manter a objetividade científica como um valor central em
seus labores acadêmicos. Não obstante, a vaga ideológica existente em
alguns setores universitários parece confundir, nos dias de hoje, a
posição de ativistas com a de cientistas.
Fui e sou comprometido com valores
democráticos no mundo e na politica brasileira. Exilado pelo golpe
militar de 1964, obrigatoriamente afastado da Universidade de São Paulo
pelos autoritários brasileiros em 1969, criei centros de resistência
intelectual e política no Brasil (como o CEBRAP) e ajudei, quanto
possível, a luta contra as ditaduras latino-americanas. Não só perdi a
cátedra que tinha por concurso na Universidade de São Paulo, como sofri
processos e fui levado a interrogatórios, com capuz na cabeça, em
conhecido centro de tortura. Eleito senador na oposição ao regime, mais
tarde, em momento de reconstrução democrática, fui relator-adjunto da
atual Constituição. Sob ela, fui Chanceler, ministro da Fazenda (na
época do Plano Real) e duas vezes eleito, por maioria absoluta,
Presidente da República. Em nenhum momento desonrei nessa trajetória
minhas credenciais democráticas.
Na conjuntura brasileira atual,
setores políticos querem fazer crer que a Presidente Roussef, ao sofrer
processo de impeachment (ainda em curso), procedido na estrita
obediência da Constituição e sob a supervisão do Supremo Tribunal
Eleitoral (oito dos 11 ministros foram nomeados pelos governos Lula ou
Roussef), sofreu um “golpe”. Estranho golpe no qual ela continua na
residência Presidencial, cercada de colaboradores e sob condições de
segurança devidas aos chefes de estado, à espera de decisão do Senado.
Este só poderá afastá-la definitivamente se 3/5 dos senadores
considerarem que, de fato, incorreu em desrespeito a regras fundamentais
da Constituição. Até ao início do processo de impeachment, que pela
Constituição depende preliminarmente da aceitação da acusação por 31 da
Câmara dos Deputados) o governo Roussef dispunha do voto de cerca de 80%
do Senado.
O pano de fundo deste processo foi o
desvendamento de uma organização criminosa que desde o mandato do
anterior presidente, uniu empresários, funcionários dos governos,
políticos e partidos para aumentar o custo dos contratos públicos e
desviar parte dos recursos assim ganhos para obterem votos e,
eventualmente, riqueza pessoal. Processos objeto de condenação judicial
ou que estão em tramitação na Justiça do país. Mais ainda, o desgoverno
financeiro dos últimos dois anos levou à perda de oito pontos
percentuais do PIB (algo nunca ocorrido na história), e 11 milhões de
brasileiros ao desemprego, além de haver gerado uma dívida pública
crescente. Os artigos constitucionais que foram feridos dizem respeito,
entre outras, à desobediência da Lei de
Responsabilidade Fiscal, graças ao
que o governo Roussef utilizou recursos não aprovados pelo Congresso e
mascarou a verdadeira situação fiscal do país durante o ano eleitoral.
Nada do acima referido, que motivou
minha inclinação a aceitar o impeachment, tem a ver com qualquer questão
que arranhasse os princípios democráticos.
Dito isso como explicação pessoal
aos que me convidaram a aos que me apoiam, não pretenderia, reitero,
utilizar a LASA para discutir essas questões, mesmo porque, como já
dito, elas nada têm a ver com a questão democrática.
Peço apenas que compreendam que a
esta altura da vida, aos 85 anos, não quero dar pretexto a espíritos
radicalizados e imbuídos de paixão partidária a me usarem para uma
imaginária luta "contra o golpe", um golpe que não houve.
Agradecendo uma vez mais o convite e desculpando-me por não dever aceitá-lo pelas razões expostas, subscrevo-me",
FHC
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