"A democracia brasileira não merecia
este fim". O ainda presidente do Senado, Renan Calheiros, fez o lamento
referindo-se a seu próprio afastamento do cargo, por decisão
monocrática de um ministro do STF. Ele está certo, os construtores e
herdeiros da democracia também lamentam mas Renan não pode reclamar:
ajudou a cavar a primeira ferida funda na democracia ao apoiar o
afastamento de uma presidente eleita sem crime de responsabilidade
demonstrado, para viabilizar a posse de seu correligionário Michel Temer
e a instauração de um programa de governo oposto ao que foi referendado
pelas urnas de 2014.
Renan foi dos últimos aliados
peemedebistas de Dilma a embarcar no golpe, certamente o fez em busca de
proteção mas cumpriu nele um papel importante como presidente do
Senado. Se o STF lavou as mãos, quando poderia ter impedido o crime de
lesa-democracia, Renan tornou-se um dos sustentáculos do governo
ilegítimo. Por isso, não pode reclamar.
Afora Dilma, outro plantador do
golpe contra ela, Eduardo Cunha, também sofreu os efeitos da hipertrofia
do poder Judiciário, fruto direto da demonização da classe política e
da mística da Lava Jato. O STF hesitou muito em afastá-lo da presidência
da Câmara, sabendo que com isso cruzaria a linha perigosa do equilíbrio
entre os poderes. Quando o fez, ninguém reclamou porque Eduardo Cunha
já esgotara a paciência de todos com suas manobras para evitar que o
processo de sua cassação avançasse no Conselho de Ética.
Exemplo contrário ao de todos que,
movidos pela ambição, compactuaram com o progressivo açoite da
democracia e de suas regras, está sendo dado pelo vice-presidente do
Senado, Jorge Viana. Ao contrário de Temer, que aderiu sem pestanejar às
propostas golpistas contra sua companheira de chapa para herdar sua
cadeira, Viana não externou ansiedade para suceder a Renan, não
conspirou e vem mantendo comportamento bem litúrgico. Assinou, com os
demais membros da Mesa, o comunicado ao STF sobre a decisão de só
aceitar o afastamento de Renan após o julgamento da liminar do ministro
Marco Aurélio pelo plenário do STF, nesta quarta-feira. Uma versão
inicial, de tom mais confrontador, e logo, adubadora da crise, ele não
quis assinar, o que levou ao ajuste do texto por todos subscrito. Sua
conduta neste momento crítico, colocando o interesse institucional acima
de qualquer ambição pessoal e partidária, reforça a percepção positiva
sobre a contribuição que ele poderá dar no curto prazo em que presidirá o
Senado.
Viana é um político equilibrado, que
servirá à ética da responsabilidade no exercício do cargo. Não será,
porém, vassalo de uma agenda que os brasileiros não chancelaram nas
urnas, e que está sendo imposta como decorrência de um golpe. Hoje não
se votou a PEC 55 e não há data marcada para que ela volte à pauta.
Renan poderá repetir seu lamento
amanhã, pois é altamente provável que o plenário confirmará a liminar de
Marco Aurélio, numa sessão que promete trovoada, depois que o ministro
Gilmar Mendes defendeu o impeachment de seu colega. Os ministros sabem
que o processo que o tornou réu, na semana passada, só foi levado a
julgamento, depois de nove anos, porque o tribunal queria dar uma
demonstração de que não protege políticos. Não faria diferença condenar
Renan agora ou em fevereiro, quando já não fosse presidente do Senado.
Mas o STF quis, como disse ontem a ministra Carmem Lucia, "responder às
demandas" da rua. Hoje ela disse que as ruas não pautam o STF mas agora a
mensagem contrária já se estabeleceu. O STF está num ativismo político
inédito desde a restauração democrática, e este ativismo tornou-se um
dos ingredientes mais nefastos da crise, juntamente com os desmandos da
Lava Jato. Renan lamentará novamente amanhã pelos descaminhos da
democracia que ele ajudou a construir. Mas perdeu a razão lá atrás,
quando abandonou Dilma e embarcou no golpe.
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