Um grupo formado por 12 parlamentares norte-americanos do Partido
Democrata enviou nessa quarta-feira, 18, carta ao embaixador do Brasil
nos Estados Unidos, Sérgio do Amaral, com duras críticas à situação
política do País e ao governo de Michel Temer.
Os deputados democratas citam a agenda conservadora imposta pelo
governo, que destituiu a presidente Dilma Rousseff, legitimamente
eleita, como a Emenda à Constituição que congela por 20 anos os gastos
públicos, indexando-os à inflação, e a proibição de discursos políticos
nas escolas.
"Além disso, os movimentos sociais brasileiros foram submetidos a
duras repressões e estão sendo criminalizados. Membros do
internacionalmente renomado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), que defende a reforma agrária mandatada pela Constituição do
Brasil, foram presos e acusados de integrar uma “organização criminosa”,
depois de participarem de ocupações pacíficas de terrenos
improdutivos", dizem os parlamentares.
Os deputados americanos fazem uma dura defesa do legado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (leia reportagem sobre o assunto),
e são categóricos ao afirmar que a agenda de Michel Temer para o Brasil
está "comprometendo seriamente as realizações sociais e democráticas
que se fizeram no Brasil desde o fim da ditadura militar em 1985".
"Ao invés de exacerbar a polarização no Brasil perseguindo
adversários políticos nos níveis de liderança nacional e de base e de
impor medidas políticas extremas contra aqueles que foram historicamente
excluídos pelas elites, aqueles preocupados com o restabelecimento de
instituições democráticas estáveis e uma economia sustentável devem
reconhecer a sua tênue detenção sobre os poderes Executivo e Legislativo
e agir para desenvolver uma agenda de unidade nacional", afirmam.
Leia abaixo a íntegra da carta, divulgada pelo blog Nocaute, do jornalista Fernando Morais:
"Estimado Embaixador Amaral:
Escrevemos para expressar nossa profunda preocupação com o estado
atual da democracia e dos direitos humanos no Brasil. Como observamos
durante o processo de remoção da presidenta Dilma Rousseff, aqueles que
dirigiram esse processo minaram as instituições democráticas do Brasil a
fim de promover seus próprios interesses políticos e econômicos às
custas da proteção da democracia ou dos interesses nacionais. No período
transcorrido desde então, ficou demonstrado que eles agiram para
proteger figuras políticas corruptas, para impor uma série de políticas
que nunca seriam apoiadas em eleições nacionais e para assediar seus
adversários em movimentos sociais e partidos políticos opostos. Essas
revelações aumentaram fortemente a polarização em uma sociedade já
dividida e levantaram sérias dúvidas sobre a capacidade da liderança
atual para mudar o curso da atual crise econômica, política e social.
A recente repressão contra manifestantes pacíficos e movimentos
sociais, e as violações dos direitos e do devido processo legal do
ex-presidente Lula da Silva sugerem que a democracia brasileira ainda
não virou a página de seu não tão distante passado autoritário. Estamos
particularmente preocupados com a perseguição do ex-presidente Lula da
Silva, a qual viola normas de tratados internacionais, como as
estipuladas no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
(PIDCP), garantindo direitos básicos do devido processo legal de todos
os indivíduos.
Como é sabido, as administrações de Lula da Silva (2003-2010)
expandiram em muito os programas sociais que ajudaram a levantar milhões
de pessoas da pobreza. Lula continua sendo uma das figuras políticas
mais populares no Brasil hoje e, como tal, é visto por seus opositores
políticos como uma séria ameaça nas urnas. Há meses ele tem sido objeto
de uma campanha de difamação e de infundadas acusações de corrupção por
grandes meios de comunicação privados, alinhados em grande parte com as
elites do país.
Desde o início do ano passado, Lula tem sido alvo do juiz Sergio
Moro, cujas ações tendenciosas e injustificadas comprometeram gravemente
os direitos legais de Lula. Moro ordenou a condução coercitiva do
ex-presidente simplesmente para servir uma intimação, embora não
houvesse indicação de que o ex-presidente estivesse negando prestar
depoimento. Os meios de comunicação já estavam no local quando a prisão
ocorreu, sugerindo que o objetivo principal da detenção era criar a
percepção de que Lula estaria envolvido em atividades criminosas, apesar
da falta de denuncias contra ele.
Moro também divulgou interceptações telefônicas aos meios de
comunicação – incluindo interceptações ilegais e não autorizadas – que
incluíam conversas entre Lula e seus advogados, sua família e a então
presidenta Rousseff. A condução deste tipo de vazamentos deliberados e
tendenciosos é uma violação da lei brasileira e de uma decisão recente
da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Escher vs. Brasil).
Moro nem sequer fingiu imparcialidade, participando abertamente de
eventos políticos que se opuseram a Lula e ao Partido dos Trabalhadores,
aprovando um livro que declara Lula como culpado e, no final de
setembro, endossando a acusação de que Lula liderava um grande esquema
de corrupção, ainda que sem nenhuma evidência que sustentasse esta
denúncia.
Mesmo após os testemunhos contra Lula, obtidos através de acordos de
delação premiada, ainda não há provas críveis que envolvam Lula em
atividades criminosas. Preocupa-nos que o verdadeiro objetivo do
processo seja o de prejudicar gravemente a imagem de Lula e desativá-lo
politicamente por quaisquer meios, como ocorreu com a ex-presidenta
Dilma Rousseff. Esse seria um novo retrocesso para a democracia
brasileira.
Os representantes legais de Lula interpuseram uma petição perante o
Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, descrevendo as violações
ao seu direito ao devido processo legal no âmbito do PIDCP (do qual o
Brasil é signatário), incluindo o direito à presunção de inocência até
que se prove a culpabilidade, o direito à proteção contra prisões
arbitrárias, direito a um tribunal imparcial e o direito à proteção
contra a interferência arbitrária na vida privada.
Estamos também profundamente preocupados com várias ações tomadas
pelas autoridades do Estado brasileiro desde a remoção permanente da
presidenta Rousseff do cargo no dia 31 de agosto de 2016.
Como discutimos em uma carta anterior, em julho de 2016, esse
processo de impeachment – que foi marcado por irregularidades
processuais e conduzido por políticos envolvidos em grandes escândalos
de corrupção – constituiu em si uma grave ameaça às instituições
democráticas do Brasil.
Em 21 de setembro, o sucessor de Rousseff – Michel Temer – declarou
publicamente que Rousseff foi removida do cargo por sua oposição a um
severo plano de austeridade que ele apoiou e que envolve cortes
draconianos em serviços públicos fundamentais. Nas últimas semanas, o
governo de Temer pressionou a implementação deste plano através da
aprovação de uma emenda constitucional que vincula os atuais e futuros
governos a drásticas limitações de gastos nos próximos vinte anos e
suspende as exigências mínimas da Constituição para educação, saúde e
assistência social. Essas medidas efetivamente reverterão anos de
avanços sociais e econômicos que beneficiaram enormemente comunidades
pobres, que são, por sua vez, compostas desproporcionalmente por
afro-brasileiros.
Em 9 de dezembro, o Relator Especial das Nações Unidas para a Pobreza
Extrema e os Direitos Humanos, Philip Alston, alertou que a emenda
violará as obrigações do Brasil em matéria de direitos humanos. Alston
chamou-a de “uma medida radical, carente nuance e compaixão”, e disse
que “atingirá os brasileiros mais pobres e vulneráveis, aumentará os
níveis de desigualdade em uma sociedade já muito desigual e
definitivamente sinaliza que os direitos sociais são uma prioridade
muito baixa para o Brasil nos próximos vinte anos”.
Essas e outras medidas governamentais – como a proibição do discurso
político nas escolas públicas brasileiras – provocaram protestos
generalizados em todo o país, inclusive em mais de 1000 escolas, e
representam uma ameaça aos direitos humanos fundamentais de liberdade de
expressão e associação.
Além disso, os movimentos sociais brasileiros foram submetidos a
duras repressões e estão sendo criminalizados. Membros do
internacionalmente renomado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), que defende a reforma agrária mandatada pela Constituição do
Brasil, foram presos e acusados de integrar uma “organização criminosa”,
depois de participarem de ocupações pacíficas de terrenos improdutivos.
À medida que esta repressão se desenrola, o governo Temer continua a
ser abalado por escândalos de corrupção que levaram à renúncia de quatro
ministros nos últimos meses. Alegações de corrupção que implicam
diretamente a Temer também levaram os membros da oposição do Congresso
Brasileiro a apresentarem um processo de impeachment contra o chefe de
Estado.
Esses e outros acontecimentos estão comprometendo seriamente as
realizações sociais e democráticas que se fizeram no Brasil desde o fim
da ditadura militar em 1985. Como um primeiro passo essencial para
reverter esta situação, instamos as autoridades federais brasileiras a
fazerem tudo ao seu alcance para proteger os direitos humanos dos
manifestantes, líderes de movimentos sociais e líderes da oposição, como
o ex-presidente Lula da Silva.
Ao invés de exacerbar a polarização no Brasil perseguindo adversários
políticos nos níveis de liderança nacional e de base e de impor medidas
políticas extremas contra aqueles que foram historicamente excluídos
pelas elites, aqueles preocupados com o restabelecimento de instituições
democráticas estáveis e uma economia sustentável devem reconhecer a sua
tênue detenção sobre os poderes Executivo e Legislativo e agir para
desenvolver uma agenda de unidade nacional.
Atenciosamente,
Membros do Congresso:
Rep. John Conyers
Rep. Raul Grijalva
Rep. Keith Ellison
Rep. Mark Pocan
Rep. Barbara Lee
Rep. Lucille Roybal-Allard
Rep. Steve Cohen
Rep. Eleanor Holmes Norton
Rep. Emanuel Cleaver
Rep. Zoe Lofgren
Rep. Frank Pallone, Jr.
Rep. Sheila Jackson Lee"
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