Nas noites cálidas do Jaburu, com sua lagoa privativa, no gabinete
envidraçado do Planalto, ou mesmo em eventos, cercado pelo cordão de
áulicos, Michel Temer parece não sentir o calor e a trepidação da
fervura social que vai se alastrando pelo país. Quando as reformas
previdenciária e trabalhista começarem a ser votadas, e a percepção das
maldades que elas contêm se alastrar, haverá caldo entornando. Já o
ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, mais atento o sismógrafo
social, falou grosso hoje, defendendo a presença do Exército nos
estados e prometendo repressão aos protestos contras as reformas: “O
movimento que quiser dialogar, dialogue. Mas o movimento que quiser
fazer baderna, a gente tem que colocar a ordem.”
A violência explode em Vitória, com mais de 100 mortos durante a
greve da PM. Lojas foram saqueadas, os ônibus pararam, um sindicalista
foi assassinado hoje, a emissora afiliada à Rede Globo e outros veículos
tornaram-se alvo de protestos. A população evita as ruas. Não há
ministro da Justiça, o da Defesa está em Paris e Brasília se limita a
enviar efetivos.
No Rio, novamente a praça de guerra em frente à Assembléia
Legislativa nesta quinta-feira, agora contra a privatização da Cedae
para garantir o acordo com o governo federal. Vender a empresa de
água e esgoto, em curso também no Paraná, é comprometer o futuro do
abastecimento. Como lembrava ontem o senador Requião, é com os ganhos
maiores nas capitais que elas investem nas cidades menores, onde o
retorno é mais baixo. Em mãos privadas, tratarão apenas de lucrar. A
calamidade financeira castiga o Estado, os funcionários não recebe, a
economia local parou e agora o governador também é acusado de ter
recebido propina.
Os presídios estão sob aparente controle mas as facções continuam em
guerra e a qualquer momento voltarão a se enfrentar, matando e
decapitando. O Exército, que não é polícia, tem como missão
constitucional garantir a segurança nacional contra ameaças externas,
virou pau para toda crise. Já foi utilizado para controlar ameaças de
caos no Rio Grande do Norte, Amazonas, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
A crise na área de segurança é latente em vários estados e aguda no Rio
Grande do Sul, onde a violência campeia, com uma média de três
assassinatos por dia em Porto Alegre. Pelo que disse Padilha, é no
Exército que o governo se agarrará para garantir “a ordem”. Até quando o
Exército aceitará este papel?
A economia leva água para o caldeirão. Não adianta festejar uma
inflação de 0,38% em janeiro, a menor da série histórica para o mês, se o
emprego não aparece e a renda desaparece. Mais que o corte na taxa de
juros, é a recessão que puxa a inflação para baixo. Se ninguém compra,
quem vende tem que baixar o preço.
Mas o grande descalabro é moral. Um ministro "do peito" indicado
para o STF, um outro alvejado por duas liminares sustentando que a
nomeação foi para garantir foro privilegiado (uma já derrubada, mas isso
não suprime o efeito nefasto), os presidentes da Câmara e do Senado
delatados, a comissão que sabatinará o indicado ao Supremo apinhada de
investigados. E em Curitiba, um Eduardo Cunha ameaçando incendiar o
palheiro se não for logo liberado.
O solo treme mas o governo segue tentando implementar a "solução
Michel": delimitar a Lava Jato ao que já foi feito contra o PT e as
empresas nacionais envolvidas. Neste "novo normal" do Brasil, as
panelas não batem e os movimentos que pediram a moralização nacional com
a derrubada de Dilma não se movem. Estão desfrutando da aragem do
poder.
São outros os que podem fazer o caldeirão entornar. Os inocentes
úteis que acreditaram em dias melhores e em moralização, os que
perderam o emprego na era Temer, os perderão os direitos e garantias
com as reformas em marcha, os que estão sentindo na pele os efeitos da
derrocada. Foi dirigida a estes a ameaça que Padilha fez nesta
quinta-feira. Se protestaram, porrete.
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