Ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), acusou o juiz Sergio Moro, da Lava Jato, de ter montado um
hotel da delação nas carceragens curitibanas para forçar seus presos a
delatar. Com esse argumento, ele espera ser solto pelo Supremo Tribunal
Federal. Preso em Curitiba há mais de quatro meses, o peemedebista
mostrou que está partindo para o ataque, após afirmar que Michel Temer
mentiu em depoimento e que ele tinha, sim, participação na indicação de
diretores da Petrobras que mais tarde seriam apontados como operadores
do PMDB em esquemas de corrupção da estatal. Sem condenação, Cunha diz
que a única razão para mantê-lo preso é a necessidade do juiz de o
manter "como troféu".
Confira abaixo o artigo, publicado na Folha de S.Paulo:
Faz pouco tempo, esta Folha publicou um artigo de
Rogério Cezar de Cerqueira Leite com críticas ao juiz Sergio Moro,
expressando sua legítima opinião. O juiz escreveu resposta em que
criticou a Folha por dar espaço ao texto, como se a democracia
comportasse que as opiniões contrárias às nossas fossem censuradas -ou
seja, ou me elogie ou se cale. Essa era a lógica da resposta.
Com este artigo que publico agora, sei que minha família
e eu poderemos correr o risco de sermos ainda mais retaliados pelo
juiz, mas não posso me calar diante do que acontece.
Estou preso por um decreto injusto, o qual contesto
através de habeas corpus e da reclamação ao Supremo Tribunal Federal, já
que não houve qualquer fato novo para ensejar uma prisão, salvo a
necessidade de me manter como troféu.
Minha detenção afronta a lei nº 12.043/11, que
estabelece que antes da prisão preventiva existam as medidas cautelares
alternativas.
Deve-se ainda levar em conta que um dos fundamentos de
minha prisão veio de proposta do Ministério Público -prisão preventiva
para evitar a dissipação patrimonial- incluída no chamado pacote
anticorrupção. Essa medida, todavia, já foi rejeitada pela Câmara.
Para coroar, o juiz, para justificar sua decisão,
vale-se da expressão "garantia da ordem pública", sem fundamento para
dar curso de legalidade ao ato ilegal. Isso, afinal, tornou-se mero
detalhe em Curitiba, já que basta prender para tornar o fato ilegal em
consumado.
A jurisprudência do STF não permite, pela via do habeas
corpus, a supressão de instâncias, fazendo com que se leve no mínimo
seis meses para que o mérito chegue ao tribunal, punindo quem está preso
ilegalmente com uma antecipação de pena, sem condenação. O meu habeas
corpus está no Superior Tribunal de Justiça.
Convivendo com outros presos, tomo conhecimento de mais
ilegalidades -acusações sem provas, por exemplo, viram instrumentos de
culpa. A simples palavra dos delatores não pode ser a razão da
condenação de qualquer delatado.
Ocorre ainda pressão para transferir a um presídio
aqueles que não aceitam se tornar delatores, transformando a carceragem
da Polícia Federal em um hotel da delação.
Apesar das condições dignas do presídio e do tratamento
respeitoso, é óbvio que a mistura de condenados por crimes violentos e
presos cautelares não é salutar.
Uma das principais causas da crise do sistema
penitenciário é o contingente de 41% de presos provisórios. Esse fato
tende a ser agravado com a decisão do STF de autorizar o encarceramento
após condenação em segunda instância.
É bom deixar claro para a sociedade que a minha
segurança e a dos demais presos cautelares é de responsabilidade do juiz
Sergio Moro. Ninguém questiona a existência de um criminoso esquema de
corrupção; punições devem ocorrer, mas observando o devido processo
legal.
Não podem ocorrer fatos tais como a entrevista em que a
força-tarefa de Curitiba, quando eu ainda era presidente da Câmara,
declarou minha culpa e pregou minha prisão, ignorando o fato de que eu
ainda desfrutava de foro privilegiado.
Ou ainda o espetáculo deprimente da denúncia contra o
ex-presidente Lula -independentemente da opinião ou dos fatos, jamais
poderia ter se dado daquela forma.
Algumas propostas legislativas são importantes para combater as ilegalidades praticadas.
1) Definir com clareza o conceito de garantia de ordem pública para motivar uma prisão cautelar.
2) Estabelecer um prazo máximo para a prisão preventiva, caso o habeas corpus não subsista com o trânsito em julgado.
3) Separar os presos cautelares dos condenados.
4) Determinar a perda dos benefícios de delatores que não comprovam suas acusações.
5) Alterar a lei das inelegibilidades para quarentena de
no mínimo quatro anos para juízes e membros do Ministério Público que
queiram disputar mandato eletivo.
6) O juízo de instrução não pode ser o juízo do
julgamento. Os processos não podem ser meros detalhes de cumprimento de
formalidades para chegar a condenações já decididas de antemão.
Juízes e membros do Ministério Público devem respeito à
Constituição, às leis, ao Estado democrático de Direito. A história
mostra que o juiz popular ou o tribunal que lava as mãos como Pilatos
não produzem boas decisões.
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