Rodrigo Janot, procurador-geral da República, enviou ontem
uma extensa carta aos colegas do Ministério Público Federal (MPF)
agradecendo o empenho de todos no processo que culminou com o acordo de
colaboração da Odebrecht. No texto, Janot alerta para os riscos que a
democracia corre por conta da corrupção e pelo abuso de poder econômico.
"As revelações que surgem dos depoimentos, embora já fossem
presumidas por muitos, lançadas assim à luz do dia, em um procedimento
formal perante a nossa Suprema Corte, nos confrontarão com a triste
realidade de uma democracia sob ataque e, em grande medida, conspurcada
na sua essência pela corrupção e pelo abuso do poder econômico e
político", diz a carta.
Confira a íntegra do documento:
"Colegas,
Gostaria de prestar diretamente a vocês algumas informações
sobre o trabalho realizado a partir da colaboração da empresa Odebrecht,
no âmbito da investigação Lava Jato, considerando a relevância do caso,
sua magnitude e seus impactos para o futuro da instituição.
Como já é de conhecimento geral, no fim do ano passado,
firmamos um grande acordo de colaboração com a empresa e com diversas
pessoas físicas que integram seu corpo diretivo. No total, 77 executivos
e ex-executivos da Odebrecht firmaram o acordo e prestaram declarações
em que revelam os meandros da corrupção em nosso país de forma jamais
imaginada. Isso sem falar nos acordos de leniência firmados com as
empresas do grupo.
A preparação do acordo exigiu a realização de pelo menos 48
reuniões entre as partes, no período de fevereiro a dezembro de 2016. Na
sequência, envolvemos mais de 100 colegas, em 34 unidades do Ministério
Público Federal, para colher os 950 termos de declaração dos
colaboradores em apenas uma semana.
Esse trabalho exigiu de todos nós envolvidos no processo um
esforço sobre-humano para colher-se os depoimentos, organizá-los,
elaborar petições e, por fim, encaminhar todo o caso ao Supremo Tribunal
Federal. Todas essas tarefas foram ultimadas em apenas 15 dias, de modo
que, antes do recesso, o material já estava à disposição da Corte para
exame e homologação.
Por óbvio, um trabalho dessa envergadura só poderia ser
fruto de uma equipe realmente comprometida com as graves
responsabilidades que pesam sobre a Instituição. Não só o Grupo de
Trabalho que me auxilia, como também os colegas da Força-Tarefa de
Curitiba, em um trabalho de colaboração mútua, viabilizaram o êxito
dessa empreitada. Preparamos, GT-PGR e FT-Curitiba, toda a logística
necessária para elaborar, revisar, assinar os acordos e colher os 950
termos de declaração que, em seguida, foram encaminhados ao STF, por
petições, para homologação.
Os termos dos 77 acordos celebrados foram homologados no fim
do mês de janeiro pela Ministra-Presidente, Cármen Lúcia. Desde então,
as dedicadas equipes do GT-PGR e da FT-Curitiba trabalharam
incessantemente para organizar o material e dar o tratamento jurídico
adequado e individualizado a cada caso.
Ainda como efeito do acordo celebrado, realizamos, sob a
liderança do MPF, no mês de fevereiro, reunião com chefes de 10
Ministérios Públicos ibero-americanos e reuniões específicas com um MP
africano para tratarmos das repercussões do caso Odebrecht naqueles
países, já que parte dos fatos revelados nas colaborações e acordos de
leniência dizem respeito a atos de corrupção ocorridos naquelas
jurisdições estrangeiras. Podemos, com isso, dizer que antecipamos em 3
anos o objetivo previsto no Planejamento Estratégico Institucional de
ser o Ministério Público Federal reconhecido nacional e
internacionalmente pela excelência na atuação no combate ao crime e à
corrupção.
Dos pedidos de homologação encaminhados, originaram-se 320
providências requeridas ao STF, assim distribuídas: 83 pedidos de
instauração de inquérito, 211 pedidos de declínio de atribuição, 7
promoções de arquivamento, 19 outras providências.
Por esse trabalho extraordinário, gostaria de publicamente
empenhar meu sincero agradecimento e respeito aos colegas do Grupo de
Trabalho – PGR e da Força-Tarefa – Curitiba. Agradeço profundamente aos
membros que nos auxiliaram, a partir de suas unidades, na coleta dos
depoimentos, sem prejuízo de suas atribuições ordinárias, e aos
dedicados servidores que trabalharam arduamente nas tarefas de logística
fundamentais para o sucesso do empreendimento.
Devo ainda ressaltar, para reflexão geral, que, sem uma
equipe de natureza permanente e composta por membros para apoio ao
Procurador-Geral da República, seria impossível levar a bom termo as
graves responsabilidades do cargo que ora desempenho, em prejuízo não só
do MPF como de todo o Ministério Público brasileiro.
Eis assim um relato objetivo do que representou, em tempo e
números, o acordo da Odebrecht. Poderia encerrar o texto por aqui, mas a
singularidade do momento impõe-me tecer ainda algumas considerações
sobre os reflexos metajurídicos decorrentes desse acordo histórico.
A expectativa em relação ao encaminhamento que daríamos aos
depoimentos decorrentes do acordo da Odebrecht tem provocado muita
apreensão no meio político, na imprensa e na sociedade de forma geral.
As revelações que surgem dos depoimentos, embora já fossem presumidas
por muitos, lançadas assim à luz do dia, em um procedimento formal
perante a nossa Suprema Corte, nos confrontarão com a triste realidade
de uma democracia sob ataque e, em grande medida, conspurcada na sua
essência pela corrupção e pelo abuso do poder econômico e político.
Certamente o MPF terá dois desafios institucionais a vencer a
partir de hoje: manter, como sempre o fez, a imparcialidade diante dos
embates político-partidários que decorrerão do nosso trabalho e velar
pela coesão interna. Não temos a chave mágica para a solução de todos os
problemas revelados com a Lava Jato – especialmente agora, com a
colaboração da Odebrecht –, mas, na parte que nos compete, asseguro a
todos vocês que continuarei a conduzir o caso sob o viés exclusivamente
jurídico, sob o compasso da técnica e com a isenção que se impõe a
qualquer membro do Ministério Público.
Por fim, é preciso ficar absolutamente claro que, seja sob o
ponto de vista pessoal – sou um democrata congênito e convicto –, seja
sob a ótica da missão constitucional do MP de defender o regime
democrático e a ordem jurídica, o trabalho desenvolvido na Lava Jato não
tem e jamais poderia ter a finalidade de criminalizar a atividade
política. Muito pelo contrário, o sucesso das investigações sérias
conduzidas pelo MPF até aqui representa uma oportunidade ímpar de
depuração do processo político nacional, ao menos para aqueles que
acreditam verdadeiramente que é possível, sim, fazer política sem crime e
que a democracia não é um jogo de fraudes, nem instrumento para uso
retórico do demagogo, mas um valor essencial à sociedade moderna e uma
condição indispensável ao desenvolvimento sustentável do nosso país".
Coragem e confiança!
Forte abraço,
Rodrigo Janot

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