É possível que, dentro de
algumas décadas, quando estiver superada a cultura do ódio, haja um
consenso na sociedade brasileira sobre o período mais vergonhoso da
história nacional, que é o atual, decorrente do golpe parlamentar de
2016.
Afinal, que país do mundo
permitiria que uma presidente reconhecidamente honesta, até pelos
adversários, fosse afastada do cargo por uma conspiração de políticos
corruptos, atolados até o pescoço em escândalos de corrupção? E
que este grupo, no poder, se dedicasse a eliminar garantias
trabalhistas e a matar o sistema de seguridade social, além de vender
riquezas como o pré-sal e o próprio território nacional?
Este período infame da
história brasileira foi construído metodicamente. Nasceu com os
protestos de 2013, inflados por grupos de comunicação interessados na
reconquista do poder, e, em plena Copa do Mundo de 2014, teve seu
clímax. Na abertura do Mundial, a presidente Dilma Rousseff foi saudada,
pela ala vip dos torcedores, por um estrondoso "Ei Dilma, VTNC", também
amplificado pela mídia.
Na construção do golpe
misógino, grupos fascistas chegaram até a distribuir adesivos com uma
Dilma de pernas abertas para serem colados nos tanques dos automóveis.
Quando ela foi finalmente deposta, Brasília estava repleta de adesivos
com a inscrição "Tchau, querida". Os machões do poder não suportavam
mais receber ordens de uma mulher corajosa e com passado de
guerrilheira.
O novo papel da mulher
brasileira foi revelado rapidamente pela revista Veja num perfil de
Marcela Temer, a "bela, recatada e do lar". E o Brasil, um país de
programas sociais mundialmente reconhecidos, voltou a concentrar renda
para que Marcela pudesse retomar o velho papel assistencialista das
primeiras-damas do século passado com seu "criança feliz", que ninguém
sabe ao certo a que veio.
Um ano depois do golpe,
Dilma dá palestras na Europa e nos Estados Unidos, enquanto Michel Temer
mal consegue sair do seu palácio, mas a mulher brasileira foi
rebaixada. A nova vítima foi a apresentadora Rachel Sheherazade, do SBT,
que foi humilhada pelo patrão Silvio Santos em rede nacional de TV.
Num vídeo chocante para o
século 21, Silvio Santos disse que Rachel, que fez fama destilando ódio
contra o PT, foi contratada apenas por sua beleza e para ler notícias no
teleprompter, e não para dar suas opiniões. Ele questionou ainda se o
marido a deixava trabalhar e também disse que, a partir de agora, a
ordem no SBT é só falar bem dos políticos – talvez porque, com Temer, a
publicidade governamental tenha voltado aos padrões anteriores.
O machismo, no entanto, não
é exclusividade do SBT. Como o golpe também foi misógino, na mesma
Globo que decidiu ensaiar uma onda de indignação contra o ator José
Mayer – com o slogan "mexeu com uma, mexeu com todas" – um integrante de
seu BBB, Marcos, agrediu outra participante, Emily, de dedo em riste.
Se o Brasil foi capaz de agredir a primeira mulher a chegar à
presidência da República, com um impeachment sem crime de
responsabilidade, por que outras não seriam também agredidas?
0 Comments:
Postar um comentário