Por Ivan Longo, Revista Fórum -
Em meio ao turbilhão de denúncias que abalam o Planalto, o Congresso,
as instituições e a classe política como um todo, a senadora Gleisi
Hoffmann (PT-PR) assumiu, no 6º Congresso Nacional do Partido dos
Trabalhadores, no último sábado (3), a presidência nacional da legenda.
Gleisi é a primeira mulher a presidir PT, considerado o maior partido de
esquerda da América Latina, com mais de 1 milhão e meio de filiados, de
acordo com dados do TSE.
Em entrevista exclusiva à Fórum, a nova presidenta do PT
falou sobre a experiência de ser a primeira mulher a assumir o cargo e,
entre outras análises, disse acreditar que, com as atuais denúncias de
corrupção envolvendo inúmeros partidos e, principalmente, a base do
governo e o próprio presidente, as pessoas estão tomando consciência "do
que realmente se passa no Brasil".
"As movimentações vêm crescendo e a sociedade brasileira
está se conscientizando sobre o que se passa no país. Então, mesmo que a
gente sofra derrotas no parlamento, na opinião pública e na consciência
política nós estamos avançando. E aí é uma questão de tempo para o
parlamento refletir esses avanços e também a pressão popular", afirmou.
De acordo com a petista, o partido demonstrou, no último
congresso, uma unidade política e tática poucas vezes vista com relação
ao que fazer nessa conjuntura política. O entendimento comum dentro da
legenda, de acordo com Gleisi, é muito objetivo: tirar Temer da
presidência, barrar as reformas do governo, convocar uma Constituinte
soberana, eleições diretas e, claro, eleger Lula como presidente da
República.
Leia a entrevista na íntegra.
Fórum – A senhora se tornou, domingo, a primeira
mulher a assumir a presidência nacional do Partido dos Trabalhadores.
Que caminhos levaram PT, considerando a importância de ser o maior
partido de esquerda da América Latina, a eleger, neste momento, uma
mulher para a presidência e quais acredita que serão os reflexos disso?
Gleisi Hoffmann – Na realidade, entre os
grandes partidos, o PT é pioneiro em ter uma mulher na presidência. E
isso é fruto da luta que o PT tem com relação à questões de gênero na
sociedade. Nós somos o primeiro partido que instituiu as cotas para as
direções partidárias. Começamos com 30%, e nesse 6º Congresso aprovamos a
paridade. Ou seja, pelo menos 50% dos cargos do partido têm que ser
preenchidos por mulheres. O PT foi pioneiro nisso. E isso deu condições
pra que a gente fizesse uma bancada feminina maior nos cargos eletivos,
no Congresso, em muitas assembleias e câmaras municipais. O PT também
foi o primeiro partido que elegeu uma mulher como prefeita e presidenta
da República. O partido tem uma história de compromisso com as mulheres
e, claro, minha eleição é fruto dessa caminhada do partido.
Não temos outro partido grande que seja presidido por uma
mulher. O PT demonstra, com a minha eleição e com a aprovação da
paridade nos cargos partidários, o compromisso com a luta de gênero e
empoderamento político das mulheres.
Para mim é um grande desafio presidir o PT, o maior partido
de esquerda da América Latina, um partido com história, com enraizamento
social, com presença nacional. É um desafio e quero dividi-lo com meus
companheiros mas, principalmente, com minhas companheiras.
Fórum – Já há alguns anos, de forma ainda mais
intensa após o impeachment da ex-presidenta Dilma, o PT sofreu inúmeras
derrotas, tanto no parlamento quanto nas ruas. Muitos criticam que o
modelo de mobilização da própria esquerda no Brasil já está esgotado e
precisa ser renovado. O que senhora pensa sobre isso e o que pretende
fazer enquanto presidenta do PT?
Gleisi – A mobilização da sociedade pode
ser feita por diversas formas. Redes sociais, manifestações por veículos
de comunicação…. Mas jamais vai ter uma que substitua a mobilização de
rua. Ela é fundamental. Não acho que seja uma forma ultrapassada. O povo
na rua sempre é uma das maneiras mais diretas de exercer a democracia, a
voz popular na pressão de seus representantes. E a esquerda brasileira,
o PT, junto com os demais partidos e os movimentos sociais, vem em um
acúmulo de forças desde o processo de impeachment.
Nós tivemos uma derrota muito grande. Eu diria que a
democracia brasileira foi derrotada. Mas a esquerda, a centro-esquerda,
também, ao se retirar uma presidenta que era de um partido de esquerda e
legitimamente eleita.
Mas as movimentações vêm crescendo e a sociedade brasileira
está se conscientizando sobre o que se passa no país. Então, mesmo que a
gente sofra derrotas no parlamento, na opinião pública e na
consciência política nós estamos avançando. E aí é uma questão de tempo
para o parlamento refletir esses avanços e também a pressão popular. Eu
acho que uma prova disso foi a votação que tivemos essa semana na
Comissão de Assuntos Econômicos do Senado sobre a Reforma Trabalhista.
Foram 14 votos a favor e 11 contra. Então, foi um placar apertado.
Inclusive, a base do governo teve que fazer mudanças de parlamentares na
comissão pra garantir a presença e a maioria. O parlamento já está
sentindo a pressão da rua, o que a sociedade brasileira está pensando.
Isso é muito importante. É fruto das mobilizações, da organização dos
movimentos e da própria esquerda. Não tenho dúvidas de que a gente está
avançando e acumulando forças.
Fórum – O que a senhora julga ser mais urgente
fazer, como presidenta nacional, neste novo ciclo do partido que se
inicia com sua eleição?
Gleisi- Nós tivemos uma vitória muito
importante que foi o nosso 6º Congresso Nacional, que foi um congresso
com uma forte base de unidade política. Há muito tempo o partido não
tinha uma unidade política e tática tão grande com relação ao que fazer
no momento, com a conjuntura que estamos vivendo. Saímos de lá
unificados em torno de tirar o Temer da presidência, termos eleição
direta para substituí-lo, não aceitar o colégio eleitoral, barrar as
reformas contra o povo e construir a convocação de uma Constituinte
soberana. Isso nos dá o rumo do que nós precisamos fazer. Através dessa
unidade política é que o partido vai se organizar.
O PT, hoje, embora tenha sofrido todas as críticas, a
desconstrução, a cassada midiática, é o partido entre os grandes que se
coloca de pé, que tem um programa a oferecer para a sociedade, uma
alternativa para sair da crise e um programa de governo. E é o partido
que tem a liderança de maior expressão popular e que está na frente em
todas as pesquisas eleitorais para a disputa da presidência do Brasil.
Esse é o nosso desafio. Construir essa caminhada de radicalizar a
democracia brasileira com eleições diretas e preparar a candidatura do
presidente Lula.
Fórum – Muitos dos que se afastaram do PT, ou mesmo
uma ala crítica entre os próprios petistas, analisam que o partido
tenha, ao longo dos anos, se afastado de suas bases. O que a senhora
pensa sobre isso e o que pretende fazer à respeito?
Gleisi – Eu não vejo essa distância com as
bases. Eu vi um 6º Congresso como resultado de uma mobilização
partidária, com mais de 300 mil pessoas que foram às urnas do partido
eleger os delegados para encontros nacionais. Um encontro de alto nível,
com grande debate político. Vejo o Partido dos Trabalhadores nas ruas
ao lado dos movimentos sociais, sindicados, radicalizando na defesa dos
direitos da população brasileira, contra a reforma Trabalhista, contra a
reforma da Previdência… Se houve um afastamento político do PT
principalmente na época em que éramos governo, em que a relação com os
movimentos ficou mais institucionalizada, vejo que agora o PT está
vivenciando o dia a dia dos movimentos sociais, as lutas populares e
esta próximo de suas bases. E vamos continuar fazendo isso.
Radicalizando cada vez mais nessa aproximação.
Fórum – Boa parte dos problemas enfrentados pelo PT
na Justiça, senão a maioria, tem origem no financiamento irregular de
campanha. O que a senhora pretende mudar na presidência do partido em
relação a isso?
Gleisi – Nós já fizemos uma mudança,
inclusive, legal: de não ter mais financiamento de empresa privada em
campanha. Isso é muito importante. O PT já fez, como outros partidos,
essa ultima eleição, nesses termos. Acho que isso resolve grande parte
dos problemas. O que temos agora é que aprovar a reforma política e
regulamentar melhor. Por que não basta apenas a proibição de
financiamento por empresa privada, mas também temos que ter um teto de
gastos de campanha. Hoje, mesmo o teto fixado pela legislação é muito
alto. Então o que acontece é que se nós não tivermos campanhas mais
baratas, vão acabar se elegendo as pessoas mais ricas, que tem mais
dinheiro. Isso é um problema. Temos que lutar para que tenhamos teto de
gasto de campanha eleitoral e e lutar para baratear os custos, termos
campanhas mais simples, de conversa com o povo, menos cinematográficas…
Acho que, com isso, a gente consegue melhorar muito.
Fórum – Com todo o desgaste sofrido nos últimos anos
pelas denúncias e a narrativa midiática, o PT acabou sendo associado ao
estigma de partido mais corrupto, ao partido que “acabou com o país”,
entre outras associações negativas. Como superar essa marca e
reaproximar a população que se afasta ou que se afastou?
Gleisi – É importante dizer que temos
várias novas filiações no PT. Tivemos um público
jovem muito grande agora no 6º Congresso, de todas as regiões do Brasil.
Então, o PT não parou de filiar. Mas você tem razão em dizer que nós
tivemos um desgaste grande, até por que teve uma campanha sistemática.
Quando estourou essa questão da Lava Jato, o PT foi vendido pelos
grandes meios de comunicação como partido mais corrupto do Brasil, que
era uma organização criminosa. Aliás, o próprio Aécio Neves fez vários
pronunciamentos na tribuna do Senado dizendo que o PT era uma
organização criminosa. Recuperar isso é um convencimento junto à opinião
pública.
Eu penso que o posicionamento do PT, hoje, em relação às
reformas, em ser firme de enfrentar as denúncias, não se esconder, fazer
o debate, demonstra que nós temos coragem para enfrentar e que não
fizemos nada de errado. Errado à nível de crime. Acho que essa questão
de financiamento de campanha realmente foi ruim para o partido. Talvez,
lá atrás, nós tivéssemos que ter firmado mais posição pela reforma
política, pela reforma eleitoral. Mas acho que agora temos condições de
trabalhar isso. E o PT enfrentou, é isso que importa.
As pessoas estão vendo, depois dessas denúncias todas que
acabam caindo sobre outros partidos, PMDB, PP, PSDB, que não era nada
daquilo que a imprensa vendia. O PT não era a organização mais corrupta,
uma organização criminosa. As pessoas estão vendo agora o que está
acontecendo com outros partidos e, principalmente, como esses partidos
estão envolvidos no desvio de recursos públicos. O PT não teve ninguém
com enriquecimento ilícito, não teve envio de dinheiro para o exterior,
não teve mala de dinheiro – coisas que estamos vendo nos outros
partidos. Acho que a população começou a ter uma visão mais crítica
daqueles que só criticavam o PT.
Fórum – Muitos dizem que o PT errou ao não
fortalecer mais as ditas mídias alternativas diante do cerceamento
midiático que vem sofrendo da imprensa tradicional há algum tempo. O que
a senhora pensa sobre?
Gleisi – Com certeza nós tínhamos que ter
dado mais atenção e ter trabalhado mais com o que a gente chama de mídia
alternativa ou alternativas de mídia. Isso não tenho dúvidas. A minha
relação com a dita grande mídia é uma relação institucional, como é no
Senado. Agora, eu tenho uma relação mais próxima, e vou ter uma relação
ainda mais próxima, com essas alternativas de mídia, com os veículos de
comunicação que têm uma visão do processo político diferenciada, muito
mais próxima a visão que nós temos.
Fórum – A possibilidade de uma queda de Temer ainda
este ano aquece o debate sobre a convocação de eleições diretas ou
eleições indiretas. Qual será a prioridade do PT? Pensar em 2018 ou em
“diretas, já”?
Gleisi – Primeiro é importante dizer que
Lula é o nosso candidato à presidência. É o plano A, B e C do PT. Vamos
defendê-lo e preparar sua campanha. Agora, nesse momento que a
conjuntura está nessa situação de crise aguda com relação à presidência
da República e as instituições, nós estamos fortes em um movimento
unificado das "diretas, já". Participamos, inclusive, com a frente de
partidos políticos que não têm a mesma visão nossa de candidatura à
presidência, mas que também acham que a saída é por eleições diretas.
Então, nossa prioridade é eleições diretas, não participação ao colégio
eleitoral, barrar essas reformas que estão desconstruindo os direitos
dos trabalhadores e, claro, a saída imediata de Michel Temer.
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