A Constituição é clara: o presidente
da República é o comandante supremo das forças armadas. E no seu artigo
142 o texto constitucional só admite a atuação dos militares na
garantia da lei e da ordem por iniciativa dos poderes constitucionais;
jamais por conta própria. A ordem jurídica também veda a opinião de
caráter político por parte de oficiais da ativa.
No entanto, em menos de 48 horas,
três generais – dois deles pertencentes ao alto comando do Exército, aí
incluído o comandante, e um da reserva, mas visto como uma forte
liderança por seus pares desde que comandou a primeira força de paz do
Brasil no Haiti – fizeram letra morta desse marco legal ao defenderem a
intervenção militar, para impedir a “instalação do caos.”
Em qualquer país de democracia
avançada, insubordinações e desafios à ordem constitucional, como os
protagonizados pelos generais brasileiros, seriam imediatamente coibidos
com o afastamento das funções, como no caso do comandante do Exército,
general Eduardo Villas Boas, e outras punições previstas em lei ou no
regulamento disciplinar do Exército.
No Brasil pós-golpe, no entanto, o
ministro da Defesa, também superior hierárquico dos generais, se limita a
fazer uma tímida e envergonhada declaração sobre o assunto, enquanto o
presidente – talvez acuado por saber de sua rala autoridade, uma vez que
é produto de um golpe de estado- se omite completamente.
Tivesse Temer reagido à altura ao
discurso do general Antônio Hamilton Mourão, que deu origem às demais
falas de caráter golpista vindas da caserna, a anarquia poderia morrer
no nascedouro.
Na base de Temer na Câmara dos
Deputados e no Senado prevalece um silêncio preocupante em relação às
escaramuças antidemocráticas a que o Brasil assiste.
Mesmo o campo democrático e de
esquerda parece ainda não ter se dado conta do tamanho e da ferocidade
do monstro que se vislumbra no horizonte.
A presidente nacional do PT é uma
das exceções. Merece aplausos a nota emitida pela senadora Gleisi
Hoffmann conclamando os democratas a cerrarem fileiras ante à ameaça dos
militares de alta patente.
Vale recuar no tempo para lembrar
que o golpe de 1964 foi precedido por falas polêmicas e desencontradas
de chefes militares, alguns em defesa da legalidade, outros dando corda
de forma sútil ou explícita à conspirata então em curso.
E não tenhamos dúvidas de que o alvo
principal dos que hoje tramam a liquidação do regime democrático são as
forças de oposição, os movimentos sociais, a mídia contra-hegemônica e a
luta popular por direitos.
Circula na internet uma palestra de
um dos insubordinados, o general Mourão, de sobrenome de triste memória,
destilando intolerância contra a esquerda, a partir de considerações
extremamente ignorantes e preconceituosas sobre o Fórum de São Paulo,
uma articulação entre partidos e movimentos de esquerda da América
Latina, fundado em 1999, na capital paulista.
A esquerda é citada ainda pelo
general Augusto Heleno, quando saiu em defesa de Mourão : “ A esquerda,
em estado de pânico depois de seus continuados fracassos viu nisso [nas
declarações de Mourão] uma ameaça de intervenção militar. Ridículo.”
O risco às instituições democráticas
é real. Não se trata de enxergar fantasmas onde eles não existem, nem
de dar aso a análises catastróficas. O perigo é de carne e osso e veste
verde oliva. Fascistas e golpistas não passarão.
Wadih Damous – deputado federal e ex-presidente da OAB/RJ
Este artigo foi originalmente publicado no Viomundo
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