Antes referência de uma moderação exagerada, as vezes confundida como
ausência de posição sobre temas centrais da vida nacional, o PSDB
resolveu sair do muro. Renegou a social-democracia do ideário original
para se atirar nos braços de um conservadorismo reacionário e
regressivo. Por oportunismo explícito, os tucanos, à época liderados
pelo Senador Aécio Neves, deram os braços para os radicalóides do MBL e
quejandos com a tarefa de estimular o impeachment de uma presidente
legitimamente eleita. Acreditavam surfar na onda conservadora que varria
momentaneamente o país, e assim, sem maiores esforços, reafirmar a
posição de antagonismo ao PT. Não imaginam, contudo, que o processo
político fosse um pouco mais complexo, não permeável a manipulações
rasas e grosseiras. No curso dos fatos há que se ter coerência, caso
contrário a sociedade percebe a natureza postiça das posições
defendidas.
O nascimento do PSDB está relacionado à tentativa de resgate da ética
republicana no exercício do poder. Costela do PMDB, o grupo autêntico
que fundou o partido tinha, entre outros propósitos, o de se contrapor
ao clientelismo de Orestes Quércia e seus aliados. Os tucanos foram
vertebrados, portanto, por paradigmas morais numa tentativa de os
diferenciar dos demais partidos. Construiu-se ao longo dos anos,
especialmente durante o mandarinato de Fernando Henrique Cardoso, a
imagem de um partido contemporâneo, preso a compromissos éticos
inegociáveis, ainda que isto não fosse exatamente a realidade.
No curto e tumultuado espaço de tempo em que esteve à frente da
legenda, Aécio Neves conseguiu por tudo isto abaixo. Com a omissão de
suas figurais centrais, a começar por FHC, ele inicialmente fez o
partido se descolar de sua plataforma social-democrata, ao se juntar
despudoramente a setores da direita numa estratégia absolutamente
oportunista. Depois, pela conduta pessoal, empurrou o PSDB para defesa
das tramóias de que é acusado, seja na gestão do Governo de Minas; nos
negócios com seus apaniguados em Furnas ou na promiscuidade de seu
relacionamento com Joesley Batista. Em síntese, o PSDB que nasceu sob o
signo da moralização tornou-se palanque de defesa do senador mais citado
nas delações da Lava-Jato.
Majoritariamente integrante da classe média, o eleitor tucano
valoriza as questões éticas; não transige com violações aos preceitos de
boa conduta. Não por outra razão, as pesquisas de opinião emprestam aos
tucanos um lugar obscuro na sucessão presidencial de 2018. Seus
candidatos em potencial – o governador Geraldo Alckmin e o prefeito João
Dória – patinam na casa dos sete por cento das intenções de voto. Ao
caminhar para a direita, o PSDB foi engolido por Bolsonaro, afinal,
neste campo, o nosso Donald Trump tupiniquim transita com muito mais
desembaraço e autenticidade.
A vitória de Aécio no Senado, numa aliança dos tucanos com os
fisiológicos do PMDB, é o retrato mais bem acabado da debacle do PSDB.
Mostra, sem retoques, a derrocada ética da legenda. Evidencia, aos olhos
da opinião pública, a transformação do partido em mais uma sigla
maculada definitivamente pela corrupção.
Para além dos limites partidários, o senador mineiro talvez seja o
maior responsável pelo crise nacional. Ao não aceitar o resultado das
urnas em 2014, Aécio deflagrou uma campanha de ódio contra a presidente
Dilma e o PT. Pôs-se a campo, com ações e outros questionamentos, para
tentar desestabilizar o governo eleito. Juntou-se a Eduardo Cunha para
tramar o golpe, com apoio de recursos ilícitos como delatara
recentemente o doleiro Lúcio Funaro. Mais uma vez, o então presidente do
PSDB levou o partido a posições incompatíveis com o ideário original de
sua criação. 0s tucanos foram transformados em tropa de choque do
golpe, numa lamentável transmutação de sua genética democrática.
Nesta caminhada rumo aos despenhadeiro, o PSDB por fim tem a
colaboração do iracundo prefeito de São Paulo, João Dória. Ao abrir as
portas em seu principal reduto a um forasteiro, sem compromissos com os
postulados partidários, os tucanos venceram as eleições mas perderam
mais uma vez a credibilidade e a coerência junto â opinião pública. Após
trair em poucos meses seu criador – o governador Geraldo Alckmin –
Dória pos-se a destilar ódio nas redes sociais contra o presidente Lula e
aos próprios colegas de partido que dele discordam. Faz um discurso que
não guarda qualquer correspondência com a postura equilibrada que fazia
do PSDB uma espécie de representante nacional da social democracia
europeia. Administra a cidade nos moldes de uma agência de publicidade;
tenta vender a ideia de trabalho mostrando-se acordado às 6 da manhã,
como se desocupados não pudessem também madrugar. Enfim, faz do
marketing a contrafação da realidade.
Submetido ao protagonismo de um senador acusado de corrupção e de um
prefeito farsante, o PSDB pouco tem a esperar. Será certamente repelido
nas urnas, numa reprovação pública por suas incoerências e equívocos.
Aécio e Dória, cada um a seu modo, desfiguraram o partido,
transformando-o num ajuntamento de políticos sem nitidez programática e
maculados pela corrupção. Por ironia do destino, estas teriam sido
exatamente as razões que justificariam a dissidência - embrião da nova
legenda em 1988. Com motivações opostas, o PSDB nasce e começa a morrer
pelos mesmos motivos: a tolerância com a corrupção e falta de substância
programática. O fim se aproxima.
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